Thursday, November 26, 2009

Sobre conceitos, preconceitos e uma terra sonâmbula

Vou falar sobre um assunto delicado aqui. Deveria pensar bem antes de escrever, estruturar minhas ideias, mas não: vou deixar que as coisas fluam naturalmente. Portanto, perdoem a minha incoerência.

Acho engraçado como as pessoas usam a expressão "baiano" aqui. Pelo que eu entendi, quer dizer "brega", mal ajustado, sem noção, algo do tipo. E, como já tentaram me explicar, não há nenhuma maldade nisso, que é só uma forma de falar e que outros adjetivos de naturalidade podiam ser usados da mesma maneira - sergipano, paraibano, etc -, mas que, por um golpe do destino, o baiano foi o felizardo de representar tal significado no vocabulário paulista... Acho engraçado de verdade, não estou sendo irônica nem nada - é que é realmente engraçado como usamos expressões de preconceito linguístico sem pensarmos de fato nelas. Como "mulato".

De qualquer jeito, aqui, isso está ligado ao nordestino. Como geralmente acontece com o preconceito linguístico, há uma carga histórica forte por trás que explica o surgimento de tais expressões - como o período de escravidão negra no país ou a grande quantidade de nordestinos migrantes para o sudeste. Mas ninguém pensa nisso, claro. Na verdade, nas vésperas da minha mudança para cá, realmente acreditava que ia ser vítima de preconceitos em várias esferas. A receptividade das pessoas, porém, fez com que esses meus pré-conceitos caissem por terra. As brincadeiras por eu ser baiana são muitas, bem como as imitações, mas realmente não vejo maldade por trás disso. Pode ser que isso aconteça por causa da esfera social que vivo; talvez, em outra esfera, eu fosse de fato sofrer com o preconceito, mas, enfim. E é claro que machuca quando eu ouço um "baiano" nesse sentido pejorativo que usam aqui, bem como quando falam algo de nordestino ou do Nordeste em sim. Não tem como não machucar: é a minha terra, e a maioria das pessoas que mais amo é nordestina. Mas é diferente... é diferente porque sinto uma certa alienação por trás disso tudo, como geralmente acontece com os preconceitos. As pessoas usam expressões como "baiano" e "mulato" sem pensar direito nelas, e fazem comentários sobre o nordeste porque, geralmente, não o conhecem.

É diferente, portanto, do preconceito que estou acostumada. Do preconceito baiano, propriamente dito. E é incrível perceber agora - apesar de que, antes, eu já tinha uma leve noção disso - de que a terra que tem a maior cidade negra fora da África consegue ser tão profunda e extremamente preconceituosa. E vou falar isso sob o ponto de vista de alguém que morou em Salvador por cinco anos, mas que pode ter tido uma visão estreita de toda a situação: existem três cidades. Há o Pelourinho, o colorido, animado e exageradamente africano Pelourinho, voltado para os alegres e por vezes ingênuos turistas, que acreditam que a Bahia é aquilo. Existe a cidade dos prédios luxuosos, carros caríssimos e abadás de R$800,00, da elite branca e pequena. E, por fim, há ainda uma Salvador dos soteropolitanos mais pobres, negros em sua maioria, que não conseguem alcançar o papel da elite branca mas que o almeja, e que também percebem a ilusão do Pelourinho. E é nessa estrutura que o preconceito se fortalece.

O que mais me chama a atenção - e que João Ubaldo Ribeiro já havia ressaltado em seu "Viva o povo brasileiro" - é que a elite da região não gosta da Bahia. Pelo menos, não da Bahia real. Podem gostar da pequena esfera social em que vivem, mas não investem na terra, e têm o desejo de ir embora o quanto antes dali - e é óbvio que não estou me excluindo disso tudo, já que também fui embora para estudar. É uma elite que não se sente baiana, mas, como diz Ribeiro, se sente descendente de portugueses, espanhóis, etc. Nunca de africanos, claro. Mas a questão não é essa. A questão é se sentir brasileiro antes de tudo e se integrar com a sociedade. O que parece que acontece é que essa parcela da Bahia tem medo do resto das pessoas - e também um certo desprezo. Na verdade, as outras pessoas praticamente não existem.

Nos colégios em que estudei, era incrível notar que eu era uma das poucas pessoas de pele um pouco mais escura. E em uma cidade em que 80% da população é negra. Incrível. E incrível como o mundo pode se segmentar de tal forma a excluir parte tão considerável dos seus viventes. E expressões como "brown", usadas para falar que as pessoas que estavam em uma festa, por exemplo, não eram bonitas, mostram a que ponto o racismo baiano se alastra. E as pessoas ainda davam risada quando eu reclamava do uso dessa expressão. Como é possível? Me chamavam de moralista. Ah, que seja.

Mas é bom notar que o próprio baiano pobre - e muitas vezes negro - é preconceituoso. E como! É quase um auto-preconceito, mas que negligencia a pessoa que está falando. Um negro falando de outro negro, um pobre falando de outro pobre. É a alienação, certo? A mesma que está por trás das expressões linguísticas... Mas uma alienação cega a ponto de que minha avó muito branca, que frequentou as altas rodas baianas, casou-se com meu avó também branco, filho de espanhol com escrava negra, teve o meu pai de pele escura e afirma para quem quiser ouvir que ele é branco. Apenas um pouco queimado de sol, só isso...

Mas, depois de falar disso tudo -negros, brancos, elite, blablabla -, tenho que perguntar: qual é a importância disso? Por que falar em cor de pele? Eu não sei, na verdade. Acho que só falei porque, de onde eu vim, essa discrepância é muito forte. E, por favor, não estou defendendo movimentos de orgulho negro e essas coisas igualmente preconceituosas... Acho que eu defenderia, se fosse pra defender alguma coisa, um orgulho baiano. Mas, como isso é igualmente perigoso - e como me recuso a usar expressões como "paulista" ou "carioca" em sentido pejorativo -, vamos colocar orgulho brasileiro... ou não, né. O melhor, na verdade, seria não haver nenhum orgulho desse tipo, apenas uma sensação de que se está vivo e que a pessoa do seu lado igualmente está, independente desses rótulos falsamente estipulados pelo território em que se nasce ou pela cor da sua pele. E talvez eu já esteja sendo um pouco anarquista demais, mas que seja. Não quero concluir nada aqui, minha proposta não é essa.

É só que tenho que sensação de que a Bahia precisa passar por aquilo que Jorge Amado descreve em "Gabriela, cravo e canela" sobre Ilhéus: a época dos jagunços, das grandes famílias dominadores, deve ficar pra trás, e a terra precisa caminhar em direção a um progresso verdadeiro, voltado para ela própria. Porque, por enquanto, a Bahia parece ser uma terra sonâmbula: está dormindo um sono sem sonhos e expectativas, mas caminha como uma morta-viva na história brasileira.

E é por isso que, muitas vezes, penso em voltar para lá após a minha formatura.
Precisam mais de jornalistas naquela terra do que aqui.

Monday, November 16, 2009

Réverie

Escrito há mais de um ano em meu diário.
Engraçado como as coisas podem parecer tão distantes depois de tão pouco tempo...
E que as coisas que nos abalavam parecem até engraçadas também, quando elas já não nos abalam mais!
Acho que apenas estou falando que não existem opções erradas
.

Aquela sala. Tudo tão iluminado, mas não tão nítido assim. É como se houvesse uma névoa. Como se minhas memórias tivessem se transformado em sonho.

O sol alto no céu por trás da grande janela.
Um piano ocupando uma parede, escuro. As notas cristalinas como gotinhas de água.
É assim que imagino as notas em minha mente, gotinhas de água muito transparentes e muito brilhantes, pingando não sei onde. A primeira vez que pensei nisso foi quando eu era muito pequena e eu e minha irmã estávamos checando algum cd-rom quando "Clair de Lune", de Claude Debussy, começou a tocar. Depois disso, não consigo pensar em outra coisa: cada nota é uma gotinha. Uma valsa é chuva , uma berceuse é um leve chuvisco... Beethoven sempre foi tempestade, independente da velocidade da música. Mas Debussy é aquele que me faz imaginar as gotinhas mais delicadas e cristalinas.
E é assim, como em sua "Réverie"; é em devaneios que me perco ao pensar naquela sala. E eu estou lá também, sentada no chão, olhando para a janela. Imóvel. Estranhamente, me imagino com o uniforme da escola. E estranhamente penso que estou pensando em ir embora. Como eu sempre fiz. Ir embora quando as pessoas começam a me conhecer a ponto de saber meus defeitos. Ou ir embora para evitar esse contato tão íntimo que sempre temi. Naquela sala, estou pensando em ir embora para ser outra pessoa.
E eu penso na frase estonteante dele. E penso no olhar reprovador dela. Ele me ama, mas não teve a coragem de dizer na minha frente. Ela me ama e teve a coragem de me mostrar friamente todos os meus segredos desvendados...

Fugi disso tudo. De um louco e de uma amiga. Fugi também da minha família e das gotas cristalinas do meu piano. Mas não virei outra pessoa ao fugir, bem como também perdi os escapes que eu tinha. Não tem como eu ir embora agora. Acho que, enfim, fui obrigada a enfrentar os meus medos.


Monday, October 05, 2009

O Rio olímpico e o fantasma do Pan

Na sexta-feira, 2 de outubro, uma cerimônia de contornos históricos teve lugar na Dinamarca. Nela, decidiu-se a realização da primeira Olimpíada em território sul-americano – para ser mais exato, em território carioca. Derrotando cidades como Chicago, Madri e Tóquio, o Rio de Janeiro, com sua vitória, ajudou a cristalizar “a ascensão do Brasil como poder econômico e político”, como disse o Wall Street Journal, bem como também oferece oportunidades de investimento das mais diversas para o país. Porém, a cidade não pode se dar o privilégio de se perder no sonho e na ilusão de grandeza da Olimpíadas, fazendo com que o caríssimo projeto de R$25,9 bilhões se torne ainda mais caro aos brasileiros.
O fantasma do Pan-2007 rondou a candidatura do Rio de perto. E com razão: o Pan e seu projeto superfaturado não devem ser esquecidos pelo país diante dessa vitória das Olimpíadas. Com um projeto inicial de R$ 400 milhões, a cota do Pan-2007 passou dos R$4 bi, com investimento federal, municipal e estadual. Além disso, não cumpriu as promessas de melhora em infra-estrutura – principalmente aquelas relacionadas ao setor de transportes -, deixando investimentos materiais que hoje não são tão bem usufruídos pela população como podem ser.
Com as Olimpíadas de 2016, o Rio de janeiro tem uma nova chance de mostrar ao mundo que tem uma grande e realista força de gestão e de planejamento, que seja o suficiente para cumprir suas metas. Isso não quer dizer superfaturar seu projeto, como aconteceu no Pan, mas sim investir de maneira estratégica, trazendo melhorias no transporte da cidade e fazendo projetos sociais nas periferias para melhorar a violência carioca desde já.
Ainda em relação a investimento público, o Brasil deve visualizar essa oportunidade de evento esportivo como um catalisador para melhorar seus programas de incentivo aos esportes. Falta aproximadamente seis anos para as Olimpíadas, o que significa que toda uma nova geração de atletas pode surgir até 2016 – e um programa de bolsas e investimentos em novos talentos esportivos não apenas podem ajudar o país a ganhar mais medalhas, como também pode melhora a situação brasileira em relação ao esporte em si, deixando-o mais apto a sediar um evento dessa natureza.
O país e a cidade ainda podem usufruir dessa vitória com a entrada de investimentos estrangeiros e privados que uma Olimpíada com certeza chama. Para isso, o projeto carioca e nacional deve constar com uma forte campanha publicitária que sirva de chamariz para esse investimento – e, para ter essa forte campanha publicitária, o Rio de Janeiro deve estar por sua vez cumprindo suas metas e investindo pesadamente na infra-estrutura da cidade.
Os desvios existentes são muitos, bem como as chances de falha – o fantasma do Pan-2007 está rondando para justamente lembrar a todos disso. A sorte, porém, já está lançada. O que resta agora aos brasileiros é fiscalizar os protagonistas desse jogo e cobrar transparência e responsabilidade social deles.

Monday, August 31, 2009

Identidade imortal

Esse rosto não era seu (ou era?).
Esses olhos grandes e escuros, sempre significativos, como se respondessem a perguntas jogadas ao vento por pessoas alheias.
Esses lábios cheios e sem cor, quase em bico, vivendo à espera de outros lábios para ganhar vida.
As olheiras marcadas, dando aquele ar de pessoa que realmente vive - ou ar de pessoa que espera a morte.

Esse rosto não é seu.
Não era por escolha sua que tinha esses olhos, esses lábios, essas olheiras.
E por que é que seu rosto tinha que definir quem ela era?
Por que, quando alguém lembrava dela, pensava em seu rosto? Desde quando seus olhos, seus lábios e suas olheiras definiam o seu jeito de ser?
E se não existissem espelhos? Melhor ainda, e se todos vivessem em um lugar sem a existência de rostos?
Cada um seria representado pela sua essência e pronto? E não limitados por olhos, lábios e olheiras...
Cada um seria a sua obra? Beethoven, a Nona Sinfonia; Shakespeare, Romeu e Julieta; Machado de Assis, Dom Casmurro; Debussy, Rêverie?
Como é que seria? Como pensariam nela? Como ela pensaria em si mesma?

Apenas palavras. Palavras soltas no ar (respondendo a perguntas alheias, esperando por respostas alheias também, vivendo a vida e a morte).

Esse rosto era seu (ou não era?).

Thursday, July 23, 2009

Evolução de um sorriso

Eu me perdi em fotos antigas hoje. Em cada uma delas, aquele sorriso contagiante, os olhos de pura felicidade voltados para mim como se, de fato, me vissem... E os sonhos, os cheiros, as texturas de cada um daqueles momentos me invadindo como se eles tivessem acontecido ontem. Como se meu show particular ainda estivesse em cartaz.

Como era fácil. E estou parecendo um velha nostálgica agora ao pensar em todas as diferentes pessoas que já fui, criticando alguns comportamentos, invejando outros que se perderam no caminho. Em como era fácil não precisar de ninguém. Era fácil ter a atitude arrogante que sempre tive diante das outras pessoas, gritando com o meu olhar que aquele era, de fato, um show só meu, um palco que eu não dividiria com mais ninguém. E ao pensar em todas as máscaras que já usei...

Hipócrita ou mesmo arrogante? Não, apenas criança. Hoje eu tenho medo, e a insegurança é minha companheira constante em todas as coisas que faço. E vulnerável, confesso. Não sou tão forte quanto eu achava que era, e como meus pais ainda acham que eu sou. E agora eu sei chorar, algo que eu nunca soube. Mas, ao mesmo tempo, como é que consigo ser tão decidida em relação ao que quero da minha vida? Ah, um dos meus dramas. Igualzinho às peças de teatro que fazia com minhas amigas diante de pais entediados. E contradições.

Às vezes, tenho a impressão de que aquele sorriso me deixou. Talvez eu tenha vergonha de deixar que ele distorça os traços do meu rosto, ou talvez eu agora tenha apenas um sorriso meio torto. Não importa. Eu sei que não é fácil de repente se importar com o mundo ao seu redor, e talvez seja por isso que eu tenho esses surtos de isolamento. Mas... é tão melhor. Com todas as dúvidas, com todo o medo, é melhor viver assim, de verdade, em carne e osso, longe dos palcos e das fantasias. E é por isso que olho para aquelas fotos e dou o meu sorriso torto: eu sei que ele vale bem mais do que o antigo sorriso cheio.

Wednesday, June 03, 2009

Destruição do eu

"E assim, de repente ou paulatinamente, a vida se esgota, se esvai, se esvazia. A estima toma o lugar da amizade. A autonegação substitui o respeito. A obediência em vez de participação. Sujeição no lugar de fraternidade. O entusiasmo toma o lugar da emoção. Gritos e sussurros substituem a fala. Suspeita no lugar da dúvida. Tortura no lugar da alegria. Repressão no lugar da saudade. Mortificação no lugar da meditação. Traição em vez de separação. Uma bala em vez de um justificativa. Matança em vez de cisão. Morte em vez de mudança. Viagem purificadora em vez de morte. 'Imortalidade' em vez de vida.
'Que os mortos enterrem os mortos' - os vivos enterrarão os vivos.
'Amarás ao próximo como a ti mesmo' - e logo, ou meteremos uma bala na cabeça dele.
'Amarás ao próximo como a ti mesmo' - mas se o ódio por si próprio já o tiver devorado, esta ordem carrega-se de uma ironia mortal.
Quanto à sua alma, ela se fundirá por completo com as outras almas. (...) 'Será recolhida ao seio da nação'. Ou ao coração dos antepassados mortos. Ou às caldeiras da raça. Ou aos arquivos do movimento.
E quanto ao corpo? Não passa de um fado passageiro. (...) Uma cruz que somos obrigados a suportar. (...) Um bloco de poluição presente, espremido em sua imundície entre a pureza abstrata do passado e o esplendor abstrato do futuro".

Para o fanático, não existe presente.
"A caixa preta", Amós Oz.

Friday, April 17, 2009

Embargos à parte

Começa hoje, em Trinidad e Tobago, a V Cúpula das Américas. Aguardada com expectativa, esses três dias de negociações vão mostrar a estréia do novo presidente americano Barack Obama nas relações diplomáticas diretas da região. A Cúpula, porém, que é responsável por discutir problemas econômicos, sociais e políticos da América - ou seja, problemas estruturais -, não conta com a presença de um país responsável por grandes entraves do continente: Cuba. E é justamente nessa pequena ilha caribenha que as atenções estarão focadas.

Por causa do caráter conciliador de Obama já demonstrado em seu curto tempo de posse mesmo com rivais históricos como Irã e Rússia, a maior expectativa dessa reunião de líderes de 34 países americanos é justamente a da quebra do embargo à ilha cubana. Uma restrição comercial que já dura 47 anos. As esperanças aumentaram quando, ainda nessa semana, o presidente americano aboliu a antiga restrição de viagens e de remessas de dinheiro de parentes para Cuba. Ele, entretanto, tem evitado falar sobre o embargo - talvez por causa da parcela de eleitores americanos que ainda acreditam nas medidas excludentes tomadas pelos Estados Unidos em relação ao regime cubano.

O que Obama compreende é que mudar as relações do seu país com Cuba não é apenas uma atitude diplomática, mas também estratégica. E foi-se o tempo em que o embargo era visto como algo correto e positivo. É, antes de tudo, uma medida ultrapassada, que historicamente já se mostrou como perigosa. Países como Iraque, Afeganistão e Irã, que sofreram com embargos americanos, demonstraram que tal medida apenas serve para fortalecer os regimes ditatoriais, causar revoltas populares e provocar movimentos xenófobos. Além de que colabora com o aumento da miséria das populações locais.

E, falando de Cuba, a quebra do embargo poderia abrir a ilha a uma nova era de relações com os países da América. Afinal, Cuba está direta ou indiretamente envolvida com outros países que ferem alguns conceitos democráticos - e acho que não preciso citar quais países são esses -, e uma das principais bases desse envolvimento é a de trocas comerciais. E , quem sabe, Cuba poderia até, a longo prazo, abrir-se a uma nova era governamental. Uma era mais aberta, mais democrática, mais livre, já que tendênciais para isso não faltam na ilha. E tendências que esperam os estímulos certos - que talvez estejam chegando.

Wednesday, April 08, 2009

Arbus

Albino sword swallower at a carnival
Md. 1970. Copyright © 1972
The Estate of Diane Arbus, LLC

Tuesday, March 24, 2009

Nações e Políticas

"The media tend to attribute Gaza's decline solely to Israeli military and economic actions against Hamas. But such a myopic analysis ignores the problem's root cause: 60 years of Arab policy aimed at cementing the Palestinian people's status as stateless refugees in order to use their suffering as a weapon against Israel.
As a child in Gaza in the 1950s, I experienced the early results of this policy. Egypt, which then controlled the territory, conducted guerrilla-style operations against Israel from Gaza. My father commanded these operations, carried out by Palestinian fedayeen, Arabic for 'self-sacrifice'. Back then, Gaza was already the front line of the Arab jihad against Israel. My father was assassinated by Israeli forces in 1956.
(...)
Arabs claim they love the Palestinian people, but they seem more interested in sacrificing them. If they really loved their Palestinian brethren, they'd pressure Hamas to stop firing missiles at Israel. In the longer term, the Arab world must end the Palestinians' refugee status and thereby their desire to harm Israel. It's time for the 22 Arab countries to open their borders and absorb the Palestinians of Gaza who wish to start a new life. It is time for the Arab world to truly help the Palestinians, not use them".

Nonie Darwish, "An arab-made misery", The Wall Street Journal Europe.
http://online.wsj.com/article/SB123733224510363157.html

No mínimo, esse é um ponto de vista diferente. E bastante válido, é claro. Afinal, é fato que descendentes de palestinos não podem tirar passaporte nos países árabes mesmo tendo nascido neles ou mesmo sendo casados com alguém de um desses países; ao contrário, eles são obrigados a receber o eterno "título" de palestino refugiado. É como um fardo imposto por todo o mundo árabe: os palestinos têm que se manter como palestinos sofredores para que continuem a servir de motivo para a guerra eterna contra Israel e contra os Estados Unidos.

Não acho, porém, que as coisas são tão simples assim como a autora de tal artigo acha. A política árabe não é a origem e a causadora da miséria palestina, mas sim uma consequência desta; de uma situação já existente e de um posicionamente que, a princípio, pode ter sido genuíno, muitos interesses afloraram e se mantiveram às custas dos refugiados de Gaza. E sim, deveria haver uma pressão local para que o grupo Hamas parasse com seus atentados terroristas - até porque as vítimas diretas e indiretas desses atentados não são apenas israelenses, mas também palestinos. Mas acreditar que a paz da região apenas depende das ações do Hamas é ser, no mínimo, ingênua. É ignorar os últimos 60 anos de história árabe-israelense, é ignorar todas as guerras e ações militares lideradas por Israel.

E tudo bem defender a livre saída de palestinos da faixa de Gaza; afinal, eles estão em inúmeros campos de refugiados e em cidades presas naquele velho processo de destruição-reconstrução, ainda cercados por soldados e pretensas muralhas israelenses. E se eles quiserem ir para as nações árabes, que vão - e que, de preferência, sejam recebidos como cidadãos, e não como eternos refugiados. Ou, se forem recebidos como refugiados, que tenham todos os direitos que pessoas nessa condição devem ter...
Mas há palestinos que não querem ir embora de suas terras, aqueles que há gerações estão ali, que enxergam naquela estreita faixa de terra a sua casa. E Nonie Darwish não fala em um só instante desses moradores, fala apenas daqueles que querem partir. Talvez ela própria, que partiu de Gaza ainda criança, veja apenas sob esse ponto de vista. Mas há, de fato, os que querem ficar, e para esses, não é apenas o Hamas o grande perpetrador da violência e não é a política árabe a mais poderosa e a única política a se envolver na região e a causar danos perturbadores. Não, as coisas não são tão unilaterais assim. E não acho que Israel deve ocupar um papel tão não-significativo quanto ocupa em sua análise. Israel não deixa de ser vítima nessa situação toda -assim como Gaza também é -, mas também não deixa de ser culpado.

Monday, March 16, 2009

Panorama além

Não sei que tempo faz, nem se é noite ou se é dia.
Não sinto onde é que estou, nem se estou. Não sei de nada.
Nem de ódio, nem amor. Tédio? Melancolia.
-Existência parada. Existência acabada.

Nem se pode saber do que outrora existia.
A cegueira no olhar. Toda a noite calada
no ouvido. Presa a voz. Gesto vão. Boca fria.
A alma, um deserto branco: -o luar triste na geada...

Silêncio. Eternidade. Infinito. Segredo.
Onde, as almas irmãs? Onde, Deus? Que degredo!
Ninguém.... O ermo atrás do ermo: - é a paisagem daqui.

Tudo opaco... E sem luz... E sem treva... O ar absorto...
Tudo em paz... Tudo só... Tudo irreal... Tudo morto...
Por que foi que eu morri? Quando foi que eu morri?

"Panorama além", Cecília Meireles.

Thursday, March 12, 2009

Algumas considerações sobre o Jornalista

Por que é tão importante correr tantos riscos para reportar de zonas de guerra?
Pelo bem da História e também para que as pessoas, no futuro, não possam nunca dizer, como disseram no Holocausto, "nós não sabíamos. Ninguém nos disse". Nós escrevemos sobre o Oriente Médio simplesmente para que as pessoas saibam o que está acontecendo lá.

Vice Magazine, 2007. Robert Fisk

Concordo com isso; as pessoas têm que saber sobre as coisas que acontecem no mundo. Acho, porém, que isso já não é mais o suficiente. Já se passou o tempo em que a informação era altamente valorizada - justamente aquele tempo em que conseguí-la era extremamente difícil. Agora estamos na época da vulgarização da informação, da sua banalização, do "ouvir e descartar" ao invés do "ouvir e armazenar". Quem hoje armazena informação é o computador, não mais as pessoas. Elas estão acostumadas com esse "hardware externo".
Assim, não sei se é mais suficiente apenas escrever para que as pessoas saibam sobre o que está acontecendo. Até porque, de uma forma ou de outra, as pessoas ficam sabendo das notícias do mundo -já que estão inseridas nessa nossa sociedade altamente midiática. Começo a questionar, portanto, se o papel do jornalista é justamente esse, o de apenas informar. E, levando em conta o próprio Fisk, acredito que todo jornalista deve ter o mínimo que seja de ativismo em sua profissão. Não apenas informar por informar, para que as pessoas saibam e não possam dizer que não sabiam - até porque hoje as pessoas sabem, não dizem que não sabem, e continuam a não fazer nada. Mas também exigir, questionar, talvez até impressionar um pouco, para que as pessoas possam acordar desse estupor em que se encontram.
Ou será que é preciso que algo bem chocante e monstruoso aconteça para que elas acordem? Mas a morte de milhares de pessoas por causa da AIDS na África do Sul não é chocante o suficiente? Será que o genocídio de cristãos no Sudão e o apoio que parte da população dá ao seu "presidente" não é monstruoso? E os atentados diários no Iraque? E a repressão das mulheres em todo o Oriente Médio? E a corrupção constante da democracia em tantos países da América Latina? E a dominação do Tibet? E a existência de tantos famintos m um planeta que joga fora toneladas de alimentos todos os dias?
A questão é que apenas o que parece chocar são os novos problemas, e não esses velhos. Todos estão acostumados com esses eternos flagelos da humanidade. Apenas quando eles se alastram para as áreas consideradas pacíficas e ideais é que as pessoas acordam. Como erroneamente fizeram nos Estados Unidos pós-11 de Setembro. E como estão erroneamente fazendo na Europa cheia de imigrantes ilegais.
E é aí que entra a informação. Ou a falta dela, já descartada. Ou o excesso, de forma superficial. E é aí que também entra o jornalista. O jornalista/ativista. O jornalista não passivo, que apenas colhe as informações e as repassa; mas sim ativo.

O jornalismo, ser repórter, é como uma missão de vida para você?
Penso que o jornalismo deve ser uma vocação, não apenas um emprego como trabalhar em um banco ou servir café. Se o seu objetivo é apenas ganhar dinheiro, pagar as contas, comprar casas e mandar as crianças para a escola, então você não fará o seu trabalho de maneira correta. O medo de ficar desempregado estará sempre à sua volta. Para fazer um bom trabalho é preciso dizer: "Isto é mais importante do que ganhar dinheiro". Um milhão de pessoas estão lendo o que você escreve - tomara!... Você é responsável por fazer a coisa certa, por transmitir a realidade do que está acontecendo, mesmo que as pessoas não gostem de você e do seu trabalho. Essa não é uma relação mercadológica.

O que você acha sobre a afirmação de que para ser um bom jornalista é necessário ser parcial, assumir uma posição?
Eu não acho que você precisa assumir uma posição. Acho que o jornalista tem que simpatizar com as pessoas oprimidas, com os que estão sofrendo e com as vítimas das injustiças. As pessoas dizem: "Você tem que ser objetivo". Não tem! Se você estivesse noticiando o tráfico de escravos no século 18, não daria espaço igual ao capitão do navio negreiro; se estivesse presente na liberação dos prisioneiros de um campo de concentração nazista, não daria espaço igual aos representante da SS, você entrevistaria os judeus sobreviventes que quase morreram lá. (...) O Oriente Médio não é um campo de futebol, é uma tragédia humana em massa e acho que os jornalistas deveriam enfatizar e mostrar o sentimento deles pelas pessoas que são as vítimas, incluindo os israelenses.
Caros Amigos, 2007. Robert Fisk.

Monday, March 09, 2009

E por falar em sonhos...

"Se fosse possível a nossos olhos de carne contemplar a consciência alheia, julgaríamos com mais segurança a personalidade de um homem pelo que sonha fazer do que pelo que realmente faz. O pensamento supõe a vontade; o sonho não. O sonho que é completamente espontâneo, conserva, mesmo quando irrealizável, o perfil de nossa espiritualidade; nada sai mais diretamente e mais sinceramente do fundo de nossa alma que as nossas aspirações irrefletidas e sem limites para os esplendores do destino. Nessas aspirações, muito mais que nas idéias coordenadas, refletidas, sensatas pode encontrar-se o caráter de cada homem. Nossas quimeras são as que mais se assemelham a nós. Cada um sonha com o desconhecido e o impossível segundo a própria natureza".
***
"Logo mais, na restauração, uma bandeira tremulará em toda parte, ao lado de todas: a da Paz; um idioma se falará junto aos demais: o da Fraternidade; um ideal se fará presente no meio dos outros: o do progresso; uma Religião única estabelecerá a ponte de união entre o Homem e Deus: a do Amor Universal...."

Victor Hugo.
Sonhar é fácil. O difícil é pôr em prática.

Wednesday, March 04, 2009

Leve, leve...

Ah, seria tão bom se as coisas fossem sempre bem claras e simples!
Chega. Queria poder desligar os meus pensamentos agora, nesse exato momento, e apenas continuar vivendo sem ficar imaginando coisas que estão além do que posso saber ou compreender. Apenas viver, sabe? Sem se preocupar com o que está por vir.

[É difícil. Mas tão melhor!]

...sem preocupações.

Sunday, February 22, 2009

Carnaval em Salvador


"Água, dois real! Cerveja, dois real!"

E é assim que eles seguem: gritando em uma competição desleal com o trio elétrico, com um isopor de mais de dez quilos nas mãos, abrindo caminho por entre os foliões. São os homens e mulheres que não vêem no Carnaval uma época de muita diversão, de Ivete Sangalo, Chiclete com Banana e, convenhamos, muito beijo na boca; ao contrário, eles enxergam nesses seis dias uma oportunidade para trabalhar.

A grande questão do Carnaval de Salvador sempre foi a dos cordeiros e a da "pipoca". O velho problema social e racial da Bahia, especialmente representado nas ruas enquanto os trios passam pela clara divisão de cores: das cordas para dentro, os brancos, da corda para fora, os negros. Porém, o que mais chamou a minha atenção não foi isso (embora essa divisão seja bastante chocante), mas sim os vendedores com suas caixinhas de isopor.

Mesmo estando dentro das cordas, são negros. Não usam o abadá, obviamente, sendo que a entrada deles é permitida para facilitar a compra de bebida nos blocos e para evitar que os foliões tenham que sair para a pipoca. Eles ficam andando de um lado para o outro, abrindo caminho com uma facilidade incrível enquanto nós, meros mortais, nos matamos para dar um passo no meio das pessoas. E não param de gritar, suas vozes fortes atravessando as ruas da cidade, deixando para trás até mesmo os gritos histéricos dos cantores naquele eterno clamor de "levantem as mãos, pulem, se matem, beijem muito".

Em meio a toda essa histeria do bloco, eles se mantém sérios. E concentrados. Não podem vacilar por um momento, não podem pular, cantar, se divertir, rir. Afinal, a concorrência é grande, e é peciso ficar atento a qualquer possível cliente ali dentro.

É quase desconcertante; tanto alegria, e aquelas pessoas trabalhando. E trabalhando duro, passando as noites em claro, recebendo empurrões e cotoveladas para ganhar pouco. E é pouco. Segundo um repórter do jornal A Tarde, em seis dias de Carnaval, o lucro médio fica entre 50 a 100 reais. Ou seja, seis dias de exaustão, noites não dormidas, grosserias dos foliões, para isso. 50 reais.

É uma realidade triste. Comodismo para uns, sustento para outros. Ainda mais quando, a isso, se soma o fato de que o carnaval já se resumiu a um grande evento comercial. Não há mais espontaneidade, é tudo muito bem forjado: quando o posto da Band está perto, distribuem enfeites com a logomarca, assim o nome da emissora aparece em suas transmissões... Quando o camarote da banda que está tocando passa, o trio para e fica por um longo tempo tocando as melhores músicas... E por falar em músicas, elas se repetem como em um disco quebrado, cada cantor tentando fazer com que a sua se torne o hit do carnaval baiano.

Não sei... Mas, participando do Carnaval, talvez eu tenha entendido um pouco mais sobre suas diâmicas. Conversando com os foliões, que são, na maioria, paulistas; observando os cambistas, negros e negras baianos e trabalhadores; vendo a "pipoca", aquelas massa escura estática com olhos muito brancos, brilhantes e desejosos de atravessar as cordas; presenciando a polícia passar empurrando e esbarrando nas pessoas. Sim, acho que senti o que é o Carnaval na Bahia. E acho que posso até dizer que entendi também o porquê de, todo ano, Salvador receber três milhões de turistas -porque é muito divertido estar dentro das cordas como eu estive.

Uma coisa, porém, não entendi... Por que é que essa festa é chamada de a maior festa popular do mundo?

Friday, February 13, 2009

Um relato


"Eu me sento com as crianças. As roupas delas têm tantos buracos. Elas estão caindo aos pedaços. As crianças não têm sapatos. Eu peço ao tradutor para por favor falar, 'Vocês têm passado por muita coisa. Vocês têm sido muito fortes'. Alguns sorriem. Outros inclinam a cabeça. Elas querem que eu saiba que elas faltam escola. 'O que elas precisam?'.'Primeiro comida e então água'. 'Elas têm algum remédio?' 'Não'. Eu noto muitos cortes. O olho de uma menina pequena está fechado e inchado como uma bola de golfe. Talvez um inseto. Nenhum médico está aqui para examinar o olho.

'Antes da luta, como era a vida de vocês?'. Escola, muitas frutas. Algumas não sabem aonde os pais estão. Elas esperam que estejam vivos 'em Chad ou no Oriente Médio'. 'Algumas de nós são orfãs vivendo com outras famílias'.

Elas me contam como foram mal-tratadas. Abda foi amarrado pelo pescoço e surrado e depois abandonado para morrer. Seu pai foi morto pelos Janjaweed. Ele tem dez anos de idade.

Elas estão preocupadas de ficar frio nos próximos dias. Eu perguntaria o que normalmente pergunto. O que você quer ser quando crescer? Ou qual o seu esporte favorito ou comida, etc. Mas perguntar a essas crianças seria cruel. Elas não têm infância e nem esperança.

Elas apertam mãos e tocam corações. Eu faço o mesmo.

Eu prometo que encontrarei um modo de ajudar, mas mesmo enquanto digo isso me sinto desamparada".

Angelina Jolie, embaixatriz da UNHCR, em um diário da sua ida ao Sudão.
Foto: Angelina conversando com mulheres refugiadas no Chad, vindas de Darfur, no Sudão.

Tuesday, February 10, 2009

Guerra civil, AIDS e crocodilos

"Na minha parte da África, a morte nunca está longe. Com a maioria dos zimbabuenses agora morrendo no início da terceira década de vida, a mortalidade tem um lugar em cada mesa. Os próprios ventos urgentes e grudentos parecem sussurrar a mensagem 'memento mori', você também morrerá. Na África, você não vê a morte do auditório da vida, como um espectador, mas sim nos bastidores, esperando apenas a sua vez de entrar. Você se sente perecível, transitório. Você se sente mortal.
Talvez essa seja a razão por que na África parece que se vive mais vigorosamente. O drama da vida lá é amplificado pela proximidade constante da morte. Isso é o que a enche de tensão. É também a essência de sua tragédia. As pessoas amam com mais intensidade lá. O amor é a maneira de a vida esquecer que é finita. O amor é o álibi da vida em face da morte".

Peter Godwin, jornalista zimbabuense, em "Quando um crocodilo engole o sol".
E a expectativa de vida no Zimbábue é de 33 anos.

Monday, February 09, 2009

Tempo de partido, de homens partidos

"Calo-me, espero, decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!

Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras,
irritadas, energéticas,
comprimidas há tanto tempo,
perderam o sentido, apenas querem explodir."

"Nosso tempo", Carlos Drummond de Andrade.

Será que é justa essa tarefa que nós nos demos? Será que é possível, será que é viável? E digo "justa" antes de tudo porque, para ser o que pretendemos ser, a vida que nos pertence não será mais nossa; será uma vida coletiva, uma vida externa a nós mesmos. Então, isso é justo?
Talvez seja; e justo em nome dos outros que não têm voz. Mas, novamente, quem somos nós para nos apropriarmos assim das vidas alheias? Será uma forma de compensar a nossa própria falta de vida? Aquilo que eles, donos das vidas que nos apropriamos, roubaram de nós?
É justa a tarefa, nós a escolhemos. E quem sabe não haja essa falta de vida que falei, apenas vidas demais em uma pessoa só. Aquilo de tomar a dor do mundo para si. E colocá-la nas costas, carregando-a como um fardo obrigatório. E quase nos esquecemos que, antes de tudo, foi opcional. A vida opcional daqueles que vivem para falar da vida dos outros. E sentir por todos.

Thursday, February 05, 2009

"Terra do pecado"

"Nasci na terra da Camorra, no lugar com o maior número de assassinatos da Europa, território onde a violência está ligada aos negócios, onde nada tem valor se não gera poder. Onde tudo tem sabor de uma batalha final. Parecia impossível ter um momento de paz, não viver sempre dentro de uma guerra onde cada gesto pode se tornar um desgaste, onde necessidade se transforma em fraqueza, onde tudo deve ser conquistado arrancando a carne do osso. Na terra da Camorra, combater os clãs não é luta de classes, afirmação de direitos, reapropriação de cidadania. Não é tomada de consciência da própria honra, tutela do próprio orgulho. É algo mais essencial, mais visceral. Na terra da Camorra, conhecer as estratégias de afirmação dos clãs, seus mecanismos de renda e seus investimentos significa entender como funciona o próprio tempo em cada medida e não somente no perímetro geográico da própria terra. Posicionar-se contra os clãs se torna uma guerra pela sobrevivência, como se a própria sobrevivência, a comida que você come, os lábios que você beija, a música que você escuta, as páginas que você lê não lhe dessem o sentido da vida, mas comente o da sobrevivência. E, assim, conhecer não é mais um traço de compromisso moral. Saber, entender, torna-se necessidade. A única possível para considerar-se ainda um homem digno de respirar".

Roberto Saviano, "Gomorra".

Monday, February 02, 2009

Para uma Velasco


Interessante como a gente pode promover a nossa própria felicidade e a nossa própria destruição. E é também [perversamente] interessante como o autocanibalismo é tão comum. É muito mais fácil encontrar alguém causando seus próprios males do que seus bens. E nisso, culpam os outros pelos males. E acham que os bens também dependem dos outros.
Não seria bem mais fácil se conseguíssemos ser felizes por nós mesmos?
E sim, muitas pessoas causam danos. Intencionalmente ou não. Mas quem define a intensidade das consequências é a gente. E cabe a nós também decidir com quem é que vamos nos relacionar. Ninguém é obrigado a falar com todo mundo... ser antipático às vezes é necessário para o nosso bem. E não há nada melhor do que nos cercar por pessoas que realmente gostam de nós e nos querem bem. Fica bem mais fácil ser feliz assim. E promover uma, digamos, autofelicidade :).

"Autocanibalismo no Outono", Salvador Dalí.
É, um momento livro-trash-de-auto-ajuda para descontrair ;)

Wednesday, January 07, 2009

O saldo de uma Guerra Santa

"'Estais vendo que mesmo vós não sabeis distinguir hereges de hereges? Eu, ao menos tenho uma regra. Sei que hereges sao os que põe em risco a ordem com a qual se rege o povo de Deus. (...) Nós a mantivemos por séculos. E, quanto aos hereges, também tenho uma regra, e se resume na resposta que deu Arnaldo Amalrico, abade de Citeaux, a quem lhe perguntava o que fazer dos cidadãos de Béziers, cidade suspeita de heresia: matai-os todos, Deus reconhecerá os seus'.
Guilherme abaixou os olhos e permaneceu um tempo em silêncio. Depois disse: 'A cidade de Béziers foi tomada e os nossos não respeitaram nem a dignidade, nem o sexo, nem a idade e quase vinte mil homens morreram a fio de espada. Feito o massacre, a cidade foi saqueada e queimada'.
'Mesmo uma guerra santa é uma guerra'.
'Mesmo uma guerra santa é uma guerra. Por isso talvez não devesse haver guerras santas'".

Diálogo entre dois estudiosos da teologia cristã, em "O nome da Rosa", de Umberto Eco.

E em que circunstância uma guerra é santa? E quando os dois povos e lados são de Deus, -dizem lutar por Ele, usam o nome dEle... aos olhos dEle, quem seria o lado certo, e quem seria seu?

Mas, não; mesmo sabendo que as maiores tragédias da humanidade tiveram um forte apelo e argumento religioso por trás, essa guerra atual não é assim. Não é por Alaah que o Hamas ou os palestinos estão lutando, e não é por Deus que os judeus estão lutando.
Essa, porém, não deixa de ser uma Guerra Santa. E o inimigo poderia personificar erroneamente o dito Eixo do Mal, como batizou um certo presidente americano -alegoria também errônea e ainda mais absurda a um também certo Eixo que existiu há décadas e que foi responsável pela morte de milhões de pessoas. Mas não personifica; não personifica porque a era de transformar os problemas do mundo em historinhas infantis maniqueístas já passou.

E ignorar a complexidade da situação é apenas fazer o que todos têm feito durante as últimas décadas: deixar de lado um problema latente e cada vez mais estrutural de uma região riquíssima em suas etnias, culturas e riquezas. A Guerra do Iraque e o caos posterior não estão aí por nada. A Palestina personifica, antes de tudo, o próprio Oriente Médio. E, assim como o próprio Oriente Médio, tem suas crenças e tem suas respostas infelizmente fundamentalistas. Mas, assim como todo o mundo, tem também pessoas que apenas querem viver em paz. Com uma casa. Com um emprego fixo. E sem medo de morrer no caminho ao mercado.

Mas não existe um lado inocente. Apenas muitos culpados. E centenas de vítimas.

Monday, January 05, 2009

E mais uma guerra "defensiva" de tantos dias...

"Por que Deus é horrendo em seu amor?"
Carlos Drummond de Andrade


"O que está acontecendo na palestina, não é justificável por nenhuma moralidade ou código de ética".
Gandhi

E quando é que a Palestina se verá livre? Livre dos sionistas, livre do Hamas...

Thursday, January 01, 2009

E quando vamos acordar de verdade?

"Today is the first day of the rest of our lives.
Tomorrow is too late to pretend everything's allright."
Nunca fui muito de acreditar nisso de "Reveillon". "Acordar" em francês, certo? Mas o acordar de que? De um novo ano? De um novo mundo, talvez? E desde quando a passagem da folhinha faz alguma diferença nas coisas do mundo? E desde quando usar um novo calendário muda alguma coisa? Eu me sinto exatamente da mesma forma que eu estava me sentindo há umas horas... As guerras também continuaram. As pessoas que estavam com fome continuaram com fome. As que estavam com medo continuaram com medo. E as que estavam morrendo talvez já estejam mortas.
Mas... não sei... Talvez eu é que tenha mudado, pois andei pensando sobre isso de "Reveillon". Isso de acordar... E, sabe, faz sentido: "today is the first day of the rest of our lives"... ou "of the rest of the year", quem sabe. Então, seguindo as minhas viagens mentais -que nem vou me dar ao trabalho de colocar aqui, porque elas são incompreensíveis até mesmo para mim -, tive vontade de fazer desejos de ano novo. De ter esperanças, de fazer planos, essas coisas que todos fazem.
Coincidentemente ou não, eu estava de branco. Branco e preto, pra ser mais exata. E "coincidentemente" porque meus desejos foram relacionados à paz. É... Mas, pra falar a verdade, eu me senti meio boba desejando essas coisas. De paz no mundo, de paz no Oriente Médio... E acabei voltando pro mesmo ponto, o de não acreditar em "Reveillon", nesse acordar...
Mas, secretamente, espero que 2009 seja diferente. Que tenha menos guerras, menos morte, menos fome, menos corrupção. Menos gente inocente morrendo por causa do fanatismo dos outros. Menos gente desesperada caindo no fanatismo. Menos gente caindo no desespero... Menos gente sofrendo. Que seja mais Palestina. Que seja mais Darfur. Que seja mais Afeganistão. Que seja mais Mulher. Que seja mais... Humano. Que tenha mais Amor.
Música: "Church on Sunday", Green Day.
obs: e, sendo um pouquinho egoísta, que 2009 seja mais Jornot 08 também ;)