Wednesday, June 03, 2009

Destruição do eu

"E assim, de repente ou paulatinamente, a vida se esgota, se esvai, se esvazia. A estima toma o lugar da amizade. A autonegação substitui o respeito. A obediência em vez de participação. Sujeição no lugar de fraternidade. O entusiasmo toma o lugar da emoção. Gritos e sussurros substituem a fala. Suspeita no lugar da dúvida. Tortura no lugar da alegria. Repressão no lugar da saudade. Mortificação no lugar da meditação. Traição em vez de separação. Uma bala em vez de um justificativa. Matança em vez de cisão. Morte em vez de mudança. Viagem purificadora em vez de morte. 'Imortalidade' em vez de vida.
'Que os mortos enterrem os mortos' - os vivos enterrarão os vivos.
'Amarás ao próximo como a ti mesmo' - e logo, ou meteremos uma bala na cabeça dele.
'Amarás ao próximo como a ti mesmo' - mas se o ódio por si próprio já o tiver devorado, esta ordem carrega-se de uma ironia mortal.
Quanto à sua alma, ela se fundirá por completo com as outras almas. (...) 'Será recolhida ao seio da nação'. Ou ao coração dos antepassados mortos. Ou às caldeiras da raça. Ou aos arquivos do movimento.
E quanto ao corpo? Não passa de um fado passageiro. (...) Uma cruz que somos obrigados a suportar. (...) Um bloco de poluição presente, espremido em sua imundície entre a pureza abstrata do passado e o esplendor abstrato do futuro".

Para o fanático, não existe presente.
"A caixa preta", Amós Oz.