Saturday, December 30, 2006

Wanted poster


and, oh, so wanted!!
o.O

Friday, December 29, 2006

Encarnação involuntária

Clarice Lispector
Às vezes, quando vejo uma pessoa que nunca vi, e tenho tempo para observá-la, eu me encarno nela e assim dou um grande passo para conhecê-la. E essa intrusão numa pessoa, qualquer que seja ela, nunca termina pela sua própria auto-acusação: ao nela me encarnar, compreendo-lhe os motivos e perdôo. Preciso é prestar atenção para não me encarnar numa vida perigosa e atraente, e que por isso mesmo eu não queira o retorno a mim mesmo.
Um dia no avião...ah, meu Deus - implorei - isso não, não quero ser essa missionária!
Mas era inútil. Eu sabia que, por causa de três horas de sua presença, eu por vários dias seria missionária. A magreza e a delicadeza extremamente polida da missionária já haviam me tomado. É com curiosidade, algum deslumbramento e cansaço prévio que sucumbo à vida que vou experimentar por uns dias viver. E com alguma apreensão, do ponto de vista prático: ando agora muito ocupada demais com os meus deveres e prazeres para poder arcar com o peso dessa vida que não conheço- mas cuja tensão evangelical já começo a sentir. No avião mesmo percebo que já comecei a andar com esse passo de santa leiga: então compreendo como a missionária é paciente, como se apaga com esse passo que mal quer tocar o chão, como se pisar mais forte viesse prejudicar os outros. Agora sou pálida, sem nenhuma pintura nos lábios, tenho o rosto fino e uso aquela espécie de chapéu de missionária.
Quando eu saltar em terra provavelmente já terei esse ar de sofrimento-superado-pela-paz-de-se-ter-uma-missão. E no meu rosto estará impressa a doçura da esperança moral. Porque sobretudo me tornei toda moral. No entanto quando entrei no avião estava tão sadiamente amoral. Estava, não, estou! Grito-me eu em revolta contra os preconceitos da missionária. Inútil: toda a minha força está sendo usada para conseguir ser frágil. Finjo ler uma revista, enquanto ela lê a Bíblia.
Vamos ter uma descida curta em terra. O aeromoço distribui chicletes. Ela cora mal o rapaz se aproxima.
Em terra sou uma missionária ao vento do aeroporto, seguro minhas imaginárias saias longas e cinzas contra o despudor do vento. Entendo, entendo. Entendo-a, ah, como a entendo e ao seu pudor de existir quando está fora das horas em que cumpre sua missão. Acuso, como a missionariazinha, as saias curtas das mulheres, tentação para os homens. E, quando não entendo, é com o mesmo fanatismo depudorado dessa mulher pálida que facilmente cora à aproximação do rapaz que nos avisa que devemos prosseguir viagem.
Já sei que só daí a dias conseguirei recomeçar enfim integralmente a minha própria vida. Que, quem sabe, talvez nunca tenha sido própria, se não no momento de nascer, e o resto tenha sido encarnações. Mas não: eu sou uma pessoa. E quando o fantasma de mim mesma me toma - então é um tal encontro de alegria, uma tal festa, que a modo de dizer choramos uma no ombro da outra. Depois enxugamos as lágrimas felizes, meu fantasma se incorpora plenamente em mim, e saímos com alguma altivez por esse mundo afora.
Uma vez, também em viagem, encontrei uma prostituta perfumadíssima que fumava entrefechando os olhos e estes ao mesmo tempo olhavam fixamente um homem que já estava ficando hipnotizado. Passei imediatamente, para melhor compreender, a fumar de olhos entrefechados para o único homem ao alcance da minha visão intencionada. Mas o homem gordo que eu olhara para experimentar e ter a alma da prostituta, o gordo estava mergulhado no New York Times. E meu perfume era discreto demais.
Falhou tudo.

Wednesday, December 27, 2006

Velha atualidade

Neste mundo é mais rico o que mais rapa;
quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
com sua língua, ao nobre o vil decepa;
o velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa;
quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
quem menos falar pode, mais increpa;
quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por tulipa;
bengala hoje na mão, ontem garlopa;
mais isento se mostra o que mais chupa;

para a tropa do trapo vão a tripa,
e mais não digo; porque a Musa topa
em apa, em epa, em ipa, em opa, em upa.
Gregório de Mattos e Guerra (1633-1696)

Tuesday, December 26, 2006

É Natal...


"Seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem..."

...será?

Sunday, December 24, 2006

África esquecida


Aids. Guerras civis. Corrupção. Fome. Morte. Essas são apenas algumas das dificuldades que afligem a África, continente que, por suas dimensões e recursos naturais, deveria ocupar papel decisivo no cenário mundial. A realidade, porém, é outra: nem por suas riquezas nem por suas chagas a África é lembrada, e assim ela permanece, agonizante. É um continente esquecido.
Na África, estão os países mais pobres do mundo: Moçambique, Etiópia, Namíbia, etc. A situação não é apenas ruim, é desesperadora: no Congo, apenas um em cada cinco bebês chega aos 5 anos; na Nigéria, 90,8% da população vive abaixo da linha de pobreza; em Serra Leoa, a expectativa de vida é de 37 anos; em Ruanda, a guerra civil já deixou milhões de mortos e refugiados; na África do Sul, 5,5 milhões de pessoas tem HIV+.
Apesar de tudo, a mídia, as pessoas, os governos e as instituições não parecem se importar com a situação africana. O caso do brasileiro morto em Londres em 2005, Jean Charles de Menezes, por exemplo, continua na mídia no Brasil após praticamente um ano do acontecido. Não desmerecendo a situação, a morte de um indivíduo parece comover mais as pessoas do que a de milhões no continente africano.
Talvez seja a não-identificação com os africanos a causa da falta de interesse coletivo. Por causa das distâncias geográfica e social, as diferenças de um país como o Brasil com a África se agravam, ainda mais quando os africanos são rotulados de selvagens. Nem mesmo isso, porém, justifica o ato de ignorar os horrores acontecidos na África.
A diferença e a distância, entretanto, acabam rapidamente quando os interesses dos magnatas, sejam europeus ou americanos, são despertados pelas descobertas de minas de diamantes ou outros recursos minerais no continente africano. Nessas ocasiões, também o silêncio é mantido em relação à África. Quando não, surgem pseudo laços de amizade e de preocupação social entre o país ambicioso em questão e a região africana. Pode-se dizer, então, que enquanto as riquezas minerais e as questões econômicas são globalizadas, os problemas e conflitos sociais continuam particulares.
O comprometimento com a África não deve ser ligado com valores econômicos, mas sim, humanitários. É praticamente um genocídio permitir que o continente permaneça na atual situação. Esse comprometimento se torna ainda mais obrigatório para os europeus, principais colonizadores, por causa das fronteiras remanescentes do imperialismo do século XIX, causadoras de tantos conflitos. A obrigatoriedade permanece ainda pelo fato de que seres humanos estão sendo dizimados por epidemias de Sida/Aids ou apenas por serem de uma outra etnia. Afinal, acima de tudo, estão as vidas –em risco -dos africanos.
Encontrar uma solução para os problemas africanos não é fácil. Agora, entretanto, não é o momento de pensar nessa questão; é o momento de chamar a atenção das pessoas para as dificuldades da África. Em outras palavras, é preciso uma conscientização geral, e não apenas dos civis e dos popstars de todo o mundo, mas também –e principalmente -dos governos e instituições. Depois de dado esse passo, ai sim será a hora de se reunir não mais para tolerar, mas para curar as feridas africanas.
Pense nisso...

Tuesday, December 19, 2006

...

Vida.
Quatro letras se juntando para formar uma palavra tão pequena que, ao mesmo tempo, é tão grande.
E o que é a vida?
O que é uma vida?
Talvez seja uma emaranhado de acontecimentos... Talvez seja o sangue em nossas veias que nos declara vivos.
Ou a seiva.
Mas o que é estar vivo? É ter consciência disso, ou é apenas viver?
A vida não precisa ter sentido para ser vivida, mas o que é uma vida sem sentido? E qual é o sentido de vivê-la?
Viver apenas por viver é vida ou é instinto? O sentimento de estar vivo é realmente necessário?
E qual é o intuito de vivenciar acontecimentos se você não tem consciência deles? Se você não os sente?
Você vive apenas por estar vivo?
Viver é a consequência da vida, ou a vida é todo o viver?
E quando o seu corpo morre -o sangue pára em suas veias -, a vida se esvái ou apenas recomeça?
A sua memória é a sua vida? Se sim, a vida é eterna?
A vida tem fim?
...


"Life´s a journey
not a destination"
Steven Tyler

Sunday, December 17, 2006

Procura da Poesia

Carlos Drummond de Andrade

Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavrae seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.