Sunday, June 06, 2010

Por quem os sinos dobram

"Nenhum homem é uma Ilha, um ser inteiro, em si mesmo; todo homem é uma partícula do Continente, uma parte da terra. Se um pequeno torrão carregado pelo mar deixa menor a Europa, como se todo um Promontório fosse, ou a Herdade de um amgo seu, ou até mesmo a sua própria, também a morte de um único homem me diminui, porque eu pertenço à Humanidade. Portanto, nunca procure saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti".

John Donne (1572-1631), poeta e padre anglicano.

Wednesday, May 19, 2010

Confissões de um (in)conformado

Eu lembro quando eu costumava brigar por tudo. Qualquer coisa que eu achasse injusta ou que me ofendesse era motivo para eu me exaltar e me defender. E costumava pôr toda a minha alma naquelas discussões.

Até que meu pai me disse para parar com isso. Aquilo estava me fazendo mal, e eu sabia que era verdade de uma maneira não apenas mental, mas física. Comecei a tomar remédios e me resignei. Deixei de ser minha mãe, sempre explosiva, para ser meu pai, calmo e conformado -e, no meu caso, dopado.

E continuo assim até hoje. Ainda mais depois daquilo -como aquilo me mudou, e de um jeito tão profundo que, em vários momentos do dia, eu não me reconheço. E me sobe uma dor tão forte na garganta depois de cada momento impróprio - e a dor é de saber que não sei mais agir daquele jeito intempestivo, que não sei mais me defender e discutir com os outros.

Sim, tem um lado bom em ser assim, mas o melhor mesmo seria um meio termo. Porque o que sou agora me abala tanto quanto o que eu era antes. Cada palavra que machuca, cada ação que fere vai se juntando como pequenas bolinhas de ferro na garganta, e no fim pesam tanto que não consigo nem chorar.

E a decepção é tanta - comigo e com os outros - que o desespero me abate às vezes.

O que eu me tornei? E o que as pessoas próximas a mim se tornaram e se tornam a cada dia com esse meu silêncio?

Thursday, November 26, 2009

Sobre conceitos, preconceitos e uma terra sonâmbula

Vou falar sobre um assunto delicado aqui. Deveria pensar bem antes de escrever, estruturar minhas ideias, mas não: vou deixar que as coisas fluam naturalmente. Portanto, perdoem a minha incoerência.

Acho engraçado como as pessoas usam a expressão "baiano" aqui. Pelo que eu entendi, quer dizer "brega", mal ajustado, sem noção, algo do tipo. E, como já tentaram me explicar, não há nenhuma maldade nisso, que é só uma forma de falar e que outros adjetivos de naturalidade podiam ser usados da mesma maneira - sergipano, paraibano, etc -, mas que, por um golpe do destino, o baiano foi o felizardo de representar tal significado no vocabulário paulista... Acho engraçado de verdade, não estou sendo irônica nem nada - é que é realmente engraçado como usamos expressões de preconceito linguístico sem pensarmos de fato nelas. Como "mulato".

De qualquer jeito, aqui, isso está ligado ao nordestino. Como geralmente acontece com o preconceito linguístico, há uma carga histórica forte por trás que explica o surgimento de tais expressões - como o período de escravidão negra no país ou a grande quantidade de nordestinos migrantes para o sudeste. Mas ninguém pensa nisso, claro. Na verdade, nas vésperas da minha mudança para cá, realmente acreditava que ia ser vítima de preconceitos em várias esferas. A receptividade das pessoas, porém, fez com que esses meus pré-conceitos caissem por terra. As brincadeiras por eu ser baiana são muitas, bem como as imitações, mas realmente não vejo maldade por trás disso. Pode ser que isso aconteça por causa da esfera social que vivo; talvez, em outra esfera, eu fosse de fato sofrer com o preconceito, mas, enfim. E é claro que machuca quando eu ouço um "baiano" nesse sentido pejorativo que usam aqui, bem como quando falam algo de nordestino ou do Nordeste em sim. Não tem como não machucar: é a minha terra, e a maioria das pessoas que mais amo é nordestina. Mas é diferente... é diferente porque sinto uma certa alienação por trás disso tudo, como geralmente acontece com os preconceitos. As pessoas usam expressões como "baiano" e "mulato" sem pensar direito nelas, e fazem comentários sobre o nordeste porque, geralmente, não o conhecem.

É diferente, portanto, do preconceito que estou acostumada. Do preconceito baiano, propriamente dito. E é incrível perceber agora - apesar de que, antes, eu já tinha uma leve noção disso - de que a terra que tem a maior cidade negra fora da África consegue ser tão profunda e extremamente preconceituosa. E vou falar isso sob o ponto de vista de alguém que morou em Salvador por cinco anos, mas que pode ter tido uma visão estreita de toda a situação: existem três cidades. Há o Pelourinho, o colorido, animado e exageradamente africano Pelourinho, voltado para os alegres e por vezes ingênuos turistas, que acreditam que a Bahia é aquilo. Existe a cidade dos prédios luxuosos, carros caríssimos e abadás de R$800,00, da elite branca e pequena. E, por fim, há ainda uma Salvador dos soteropolitanos mais pobres, negros em sua maioria, que não conseguem alcançar o papel da elite branca mas que o almeja, e que também percebem a ilusão do Pelourinho. E é nessa estrutura que o preconceito se fortalece.

O que mais me chama a atenção - e que João Ubaldo Ribeiro já havia ressaltado em seu "Viva o povo brasileiro" - é que a elite da região não gosta da Bahia. Pelo menos, não da Bahia real. Podem gostar da pequena esfera social em que vivem, mas não investem na terra, e têm o desejo de ir embora o quanto antes dali - e é óbvio que não estou me excluindo disso tudo, já que também fui embora para estudar. É uma elite que não se sente baiana, mas, como diz Ribeiro, se sente descendente de portugueses, espanhóis, etc. Nunca de africanos, claro. Mas a questão não é essa. A questão é se sentir brasileiro antes de tudo e se integrar com a sociedade. O que parece que acontece é que essa parcela da Bahia tem medo do resto das pessoas - e também um certo desprezo. Na verdade, as outras pessoas praticamente não existem.

Nos colégios em que estudei, era incrível notar que eu era uma das poucas pessoas de pele um pouco mais escura. E em uma cidade em que 80% da população é negra. Incrível. E incrível como o mundo pode se segmentar de tal forma a excluir parte tão considerável dos seus viventes. E expressões como "brown", usadas para falar que as pessoas que estavam em uma festa, por exemplo, não eram bonitas, mostram a que ponto o racismo baiano se alastra. E as pessoas ainda davam risada quando eu reclamava do uso dessa expressão. Como é possível? Me chamavam de moralista. Ah, que seja.

Mas é bom notar que o próprio baiano pobre - e muitas vezes negro - é preconceituoso. E como! É quase um auto-preconceito, mas que negligencia a pessoa que está falando. Um negro falando de outro negro, um pobre falando de outro pobre. É a alienação, certo? A mesma que está por trás das expressões linguísticas... Mas uma alienação cega a ponto de que minha avó muito branca, que frequentou as altas rodas baianas, casou-se com meu avó também branco, filho de espanhol com escrava negra, teve o meu pai de pele escura e afirma para quem quiser ouvir que ele é branco. Apenas um pouco queimado de sol, só isso...

Mas, depois de falar disso tudo -negros, brancos, elite, blablabla -, tenho que perguntar: qual é a importância disso? Por que falar em cor de pele? Eu não sei, na verdade. Acho que só falei porque, de onde eu vim, essa discrepância é muito forte. E, por favor, não estou defendendo movimentos de orgulho negro e essas coisas igualmente preconceituosas... Acho que eu defenderia, se fosse pra defender alguma coisa, um orgulho baiano. Mas, como isso é igualmente perigoso - e como me recuso a usar expressões como "paulista" ou "carioca" em sentido pejorativo -, vamos colocar orgulho brasileiro... ou não, né. O melhor, na verdade, seria não haver nenhum orgulho desse tipo, apenas uma sensação de que se está vivo e que a pessoa do seu lado igualmente está, independente desses rótulos falsamente estipulados pelo território em que se nasce ou pela cor da sua pele. E talvez eu já esteja sendo um pouco anarquista demais, mas que seja. Não quero concluir nada aqui, minha proposta não é essa.

É só que tenho que sensação de que a Bahia precisa passar por aquilo que Jorge Amado descreve em "Gabriela, cravo e canela" sobre Ilhéus: a época dos jagunços, das grandes famílias dominadores, deve ficar pra trás, e a terra precisa caminhar em direção a um progresso verdadeiro, voltado para ela própria. Porque, por enquanto, a Bahia parece ser uma terra sonâmbula: está dormindo um sono sem sonhos e expectativas, mas caminha como uma morta-viva na história brasileira.

E é por isso que, muitas vezes, penso em voltar para lá após a minha formatura.
Precisam mais de jornalistas naquela terra do que aqui.

Monday, November 16, 2009

Réverie

Escrito há mais de um ano em meu diário.
Engraçado como as coisas podem parecer tão distantes depois de tão pouco tempo...
E que as coisas que nos abalavam parecem até engraçadas também, quando elas já não nos abalam mais!
Acho que apenas estou falando que não existem opções erradas
.

Aquela sala. Tudo tão iluminado, mas não tão nítido assim. É como se houvesse uma névoa. Como se minhas memórias tivessem se transformado em sonho.

O sol alto no céu por trás da grande janela.
Um piano ocupando uma parede, escuro. As notas cristalinas como gotinhas de água.
É assim que imagino as notas em minha mente, gotinhas de água muito transparentes e muito brilhantes, pingando não sei onde. A primeira vez que pensei nisso foi quando eu era muito pequena e eu e minha irmã estávamos checando algum cd-rom quando "Clair de Lune", de Claude Debussy, começou a tocar. Depois disso, não consigo pensar em outra coisa: cada nota é uma gotinha. Uma valsa é chuva , uma berceuse é um leve chuvisco... Beethoven sempre foi tempestade, independente da velocidade da música. Mas Debussy é aquele que me faz imaginar as gotinhas mais delicadas e cristalinas.
E é assim, como em sua "Réverie"; é em devaneios que me perco ao pensar naquela sala. E eu estou lá também, sentada no chão, olhando para a janela. Imóvel. Estranhamente, me imagino com o uniforme da escola. E estranhamente penso que estou pensando em ir embora. Como eu sempre fiz. Ir embora quando as pessoas começam a me conhecer a ponto de saber meus defeitos. Ou ir embora para evitar esse contato tão íntimo que sempre temi. Naquela sala, estou pensando em ir embora para ser outra pessoa.
E eu penso na frase estonteante dele. E penso no olhar reprovador dela. Ele me ama, mas não teve a coragem de dizer na minha frente. Ela me ama e teve a coragem de me mostrar friamente todos os meus segredos desvendados...

Fugi disso tudo. De um louco e de uma amiga. Fugi também da minha família e das gotas cristalinas do meu piano. Mas não virei outra pessoa ao fugir, bem como também perdi os escapes que eu tinha. Não tem como eu ir embora agora. Acho que, enfim, fui obrigada a enfrentar os meus medos.


Monday, October 05, 2009

O Rio olímpico e o fantasma do Pan

Na sexta-feira, 2 de outubro, uma cerimônia de contornos históricos teve lugar na Dinamarca. Nela, decidiu-se a realização da primeira Olimpíada em território sul-americano – para ser mais exato, em território carioca. Derrotando cidades como Chicago, Madri e Tóquio, o Rio de Janeiro, com sua vitória, ajudou a cristalizar “a ascensão do Brasil como poder econômico e político”, como disse o Wall Street Journal, bem como também oferece oportunidades de investimento das mais diversas para o país. Porém, a cidade não pode se dar o privilégio de se perder no sonho e na ilusão de grandeza da Olimpíadas, fazendo com que o caríssimo projeto de R$25,9 bilhões se torne ainda mais caro aos brasileiros.
O fantasma do Pan-2007 rondou a candidatura do Rio de perto. E com razão: o Pan e seu projeto superfaturado não devem ser esquecidos pelo país diante dessa vitória das Olimpíadas. Com um projeto inicial de R$ 400 milhões, a cota do Pan-2007 passou dos R$4 bi, com investimento federal, municipal e estadual. Além disso, não cumpriu as promessas de melhora em infra-estrutura – principalmente aquelas relacionadas ao setor de transportes -, deixando investimentos materiais que hoje não são tão bem usufruídos pela população como podem ser.
Com as Olimpíadas de 2016, o Rio de janeiro tem uma nova chance de mostrar ao mundo que tem uma grande e realista força de gestão e de planejamento, que seja o suficiente para cumprir suas metas. Isso não quer dizer superfaturar seu projeto, como aconteceu no Pan, mas sim investir de maneira estratégica, trazendo melhorias no transporte da cidade e fazendo projetos sociais nas periferias para melhorar a violência carioca desde já.
Ainda em relação a investimento público, o Brasil deve visualizar essa oportunidade de evento esportivo como um catalisador para melhorar seus programas de incentivo aos esportes. Falta aproximadamente seis anos para as Olimpíadas, o que significa que toda uma nova geração de atletas pode surgir até 2016 – e um programa de bolsas e investimentos em novos talentos esportivos não apenas podem ajudar o país a ganhar mais medalhas, como também pode melhora a situação brasileira em relação ao esporte em si, deixando-o mais apto a sediar um evento dessa natureza.
O país e a cidade ainda podem usufruir dessa vitória com a entrada de investimentos estrangeiros e privados que uma Olimpíada com certeza chama. Para isso, o projeto carioca e nacional deve constar com uma forte campanha publicitária que sirva de chamariz para esse investimento – e, para ter essa forte campanha publicitária, o Rio de Janeiro deve estar por sua vez cumprindo suas metas e investindo pesadamente na infra-estrutura da cidade.
Os desvios existentes são muitos, bem como as chances de falha – o fantasma do Pan-2007 está rondando para justamente lembrar a todos disso. A sorte, porém, já está lançada. O que resta agora aos brasileiros é fiscalizar os protagonistas desse jogo e cobrar transparência e responsabilidade social deles.

Monday, August 31, 2009

Identidade imortal

Esse rosto não era seu (ou era?).
Esses olhos grandes e escuros, sempre significativos, como se respondessem a perguntas jogadas ao vento por pessoas alheias.
Esses lábios cheios e sem cor, quase em bico, vivendo à espera de outros lábios para ganhar vida.
As olheiras marcadas, dando aquele ar de pessoa que realmente vive - ou ar de pessoa que espera a morte.

Esse rosto não é seu.
Não era por escolha sua que tinha esses olhos, esses lábios, essas olheiras.
E por que é que seu rosto tinha que definir quem ela era?
Por que, quando alguém lembrava dela, pensava em seu rosto? Desde quando seus olhos, seus lábios e suas olheiras definiam o seu jeito de ser?
E se não existissem espelhos? Melhor ainda, e se todos vivessem em um lugar sem a existência de rostos?
Cada um seria representado pela sua essência e pronto? E não limitados por olhos, lábios e olheiras...
Cada um seria a sua obra? Beethoven, a Nona Sinfonia; Shakespeare, Romeu e Julieta; Machado de Assis, Dom Casmurro; Debussy, Rêverie?
Como é que seria? Como pensariam nela? Como ela pensaria em si mesma?

Apenas palavras. Palavras soltas no ar (respondendo a perguntas alheias, esperando por respostas alheias também, vivendo a vida e a morte).

Esse rosto era seu (ou não era?).

Thursday, July 23, 2009

Evolução de um sorriso

Eu me perdi em fotos antigas hoje. Em cada uma delas, aquele sorriso contagiante, os olhos de pura felicidade voltados para mim como se, de fato, me vissem... E os sonhos, os cheiros, as texturas de cada um daqueles momentos me invadindo como se eles tivessem acontecido ontem. Como se meu show particular ainda estivesse em cartaz.

Como era fácil. E estou parecendo um velha nostálgica agora ao pensar em todas as diferentes pessoas que já fui, criticando alguns comportamentos, invejando outros que se perderam no caminho. Em como era fácil não precisar de ninguém. Era fácil ter a atitude arrogante que sempre tive diante das outras pessoas, gritando com o meu olhar que aquele era, de fato, um show só meu, um palco que eu não dividiria com mais ninguém. E ao pensar em todas as máscaras que já usei...

Hipócrita ou mesmo arrogante? Não, apenas criança. Hoje eu tenho medo, e a insegurança é minha companheira constante em todas as coisas que faço. E vulnerável, confesso. Não sou tão forte quanto eu achava que era, e como meus pais ainda acham que eu sou. E agora eu sei chorar, algo que eu nunca soube. Mas, ao mesmo tempo, como é que consigo ser tão decidida em relação ao que quero da minha vida? Ah, um dos meus dramas. Igualzinho às peças de teatro que fazia com minhas amigas diante de pais entediados. E contradições.

Às vezes, tenho a impressão de que aquele sorriso me deixou. Talvez eu tenha vergonha de deixar que ele distorça os traços do meu rosto, ou talvez eu agora tenha apenas um sorriso meio torto. Não importa. Eu sei que não é fácil de repente se importar com o mundo ao seu redor, e talvez seja por isso que eu tenho esses surtos de isolamento. Mas... é tão melhor. Com todas as dúvidas, com todo o medo, é melhor viver assim, de verdade, em carne e osso, longe dos palcos e das fantasias. E é por isso que olho para aquelas fotos e dou o meu sorriso torto: eu sei que ele vale bem mais do que o antigo sorriso cheio.