Sunday, February 22, 2009

Carnaval em Salvador


"Água, dois real! Cerveja, dois real!"

E é assim que eles seguem: gritando em uma competição desleal com o trio elétrico, com um isopor de mais de dez quilos nas mãos, abrindo caminho por entre os foliões. São os homens e mulheres que não vêem no Carnaval uma época de muita diversão, de Ivete Sangalo, Chiclete com Banana e, convenhamos, muito beijo na boca; ao contrário, eles enxergam nesses seis dias uma oportunidade para trabalhar.

A grande questão do Carnaval de Salvador sempre foi a dos cordeiros e a da "pipoca". O velho problema social e racial da Bahia, especialmente representado nas ruas enquanto os trios passam pela clara divisão de cores: das cordas para dentro, os brancos, da corda para fora, os negros. Porém, o que mais chamou a minha atenção não foi isso (embora essa divisão seja bastante chocante), mas sim os vendedores com suas caixinhas de isopor.

Mesmo estando dentro das cordas, são negros. Não usam o abadá, obviamente, sendo que a entrada deles é permitida para facilitar a compra de bebida nos blocos e para evitar que os foliões tenham que sair para a pipoca. Eles ficam andando de um lado para o outro, abrindo caminho com uma facilidade incrível enquanto nós, meros mortais, nos matamos para dar um passo no meio das pessoas. E não param de gritar, suas vozes fortes atravessando as ruas da cidade, deixando para trás até mesmo os gritos histéricos dos cantores naquele eterno clamor de "levantem as mãos, pulem, se matem, beijem muito".

Em meio a toda essa histeria do bloco, eles se mantém sérios. E concentrados. Não podem vacilar por um momento, não podem pular, cantar, se divertir, rir. Afinal, a concorrência é grande, e é peciso ficar atento a qualquer possível cliente ali dentro.

É quase desconcertante; tanto alegria, e aquelas pessoas trabalhando. E trabalhando duro, passando as noites em claro, recebendo empurrões e cotoveladas para ganhar pouco. E é pouco. Segundo um repórter do jornal A Tarde, em seis dias de Carnaval, o lucro médio fica entre 50 a 100 reais. Ou seja, seis dias de exaustão, noites não dormidas, grosserias dos foliões, para isso. 50 reais.

É uma realidade triste. Comodismo para uns, sustento para outros. Ainda mais quando, a isso, se soma o fato de que o carnaval já se resumiu a um grande evento comercial. Não há mais espontaneidade, é tudo muito bem forjado: quando o posto da Band está perto, distribuem enfeites com a logomarca, assim o nome da emissora aparece em suas transmissões... Quando o camarote da banda que está tocando passa, o trio para e fica por um longo tempo tocando as melhores músicas... E por falar em músicas, elas se repetem como em um disco quebrado, cada cantor tentando fazer com que a sua se torne o hit do carnaval baiano.

Não sei... Mas, participando do Carnaval, talvez eu tenha entendido um pouco mais sobre suas diâmicas. Conversando com os foliões, que são, na maioria, paulistas; observando os cambistas, negros e negras baianos e trabalhadores; vendo a "pipoca", aquelas massa escura estática com olhos muito brancos, brilhantes e desejosos de atravessar as cordas; presenciando a polícia passar empurrando e esbarrando nas pessoas. Sim, acho que senti o que é o Carnaval na Bahia. E acho que posso até dizer que entendi também o porquê de, todo ano, Salvador receber três milhões de turistas -porque é muito divertido estar dentro das cordas como eu estive.

Uma coisa, porém, não entendi... Por que é que essa festa é chamada de a maior festa popular do mundo?

4 comments:

Ana Paula Saltão said...

Já me perguntei coisa do tipo, antes... ;/

Tulio Bucchioni said...

Esplêndido, Clarita.

Eu, que fui num bloco de carnaval no Bixiga - que não é lá essas coisas como Salvador - fui questionado: que carnaval é esse que se dá dentro dos sambódramos e que só quem tem grana pode participar?!

É, meu bem, a diversão é para poucos. Tem seu preço e, acima de tudo, sua cor. Do carnaval popular, daquele de máscaras, fantasias, espontaneidade, diversidade e alegria pouco se resta.

Tulio Bucchioni said...

Ah, espero que vc não se importe, mas repassei o link do seu blog pra um monte de gente!haha

Saudade!!!!!

Du Graziani said...

Sabe, eu concordo com tudo o que você disse. A felicidade e a hipocrisia andam lado a lado. Mas sabe Clarinha, eu tenho em você a inspiração e o desejo de mundar o mundo, e que essa mudança passe pelas minhas, pelas suas mãos. Mas, por favor, tome cuidado em ver maldade e mazelas em tudo. Não falo para fechar os olhos, mas as vezes, infelizmente, um leve fechar momentaneo.

Tb fui hipocrita nesse comentário, mas acredito que possamos lutar contra as injustiças sem nos tornarmos pessoas depressivas.

Fiz-me entender ??? rs ...

Te adoro ...

beijo