Saturday, January 19, 2008

Querido diário

Igual-desigual Drummond.

Eu desconfiava:
todas as histórias em quadrinho são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são
iguais.
Todos os partidos políticos
são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda
são iguais.
Todas as experiências de sexo
são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais
e todos, todos
os poemas em versos livres são enfadonhamente iguais.

Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou
coisa.

Ninguém é igual a ninguém.
Todo ser humano é um estranho
ímpar.

Cada pessoa representa, de fato, um universo complexo e único. É por isso que as guerras me chocam tanto. 6 milhões é apenas um número, mas quando são 6 milhões de judeus mortos na II Guerra Mundial, ele deixa para trás o seu caráter estritamente matemático. Afinal, são 6 milhões de vidas, sendo que cada unidade dessa representa uma pessoa que, como eu, tem sonhos, medos, desejos e toda uma esfera de pensamentos infinita que apenas o ser humano pode ter.
Com a vivência, porém, uma cifra é apenas uma cifra, seja de judeus, muçulmanos, brasileiros, americanos ou africanos. Nós nos esquecemos do caráter social. Nós nos tornamos insensíveis diante da morte -e da vida.
Porém, não é por seu caráter único e pessoal que uma pessoa se torna verdadeiramente humana -e digo isso não no sentido exato do termo, mas no subjetivo. É, antes de tudo, pelos elementos que compartilha com outros que todos se tornam irmãos. Identificar no próximo algo que está presente em você é reconhecer a importância do outro, é valorizá-lo, é praticar a igualdade. Apenas com essa identificação com as outras pessoas que nós passamos a dar valor a vida delas, pois sabemos que, na mesma medida que nós somos, elas também são. Elas pensam como nós, elas sentem como nós. Nós e elas temos compaixão, temos os mesmos medos e, algumas vezes, os mesmos desejos. Somos fraternos, e assim nos tornamos humanos ao reconhecermos nos outros nós mesmos; ao colocarmos os outros em pé de igualdade conosco.
Que não se pense que, com isso, estou falando que Hitler, Stálin, Bush, Sharon e tantos outros de mesma linha não são humanos. Não, eles são humanos sim, mas no sentido exato, biológico. Quanto ao sentido social, já é uma outra história.
Um trecho do meu diário que acho que tem a ver com o que estou escrevendo ultimamente, apesar de eu já ter escrito coisas similares aqui.
Desculpem os erros de português. Como é um diário e já tem um tempinho que escrevi isso, não mudei nada.
"Igual-desigual", Carlos Drummond de Andrade, em "A paixão medida".

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