Tuesday, October 21, 2008

Mas...

Está tudo certo, mas...



...cadê o zsa zsa zsu, Carrie?

***

E a latinha corria, corria e corria, sem vento, sem lamento, sem impulso. A rua deserta e escura, apenas a luz bruxuleante do poste, e nem ao menos uma alma companheira para lhe indicar que, "hei, você não está sozinha, existe vida nesse lugar!". Nem uma alma.

E a latinha corria, corria e corria, e seus olhos a seguiam despreocupadamente, talvez pensando naquelas aulas que tivera há uns anos -o vento? a inércia? e o atrito? Talvez a mente estivesse mais longe do que isso -muito longe!, em que zona mesmo de São Paulo?

Mas a latinha parou. E o vento parou. E qualquer ruído cessou também. E veio. Veio aquilo que não vinha há muito tempo, aquele peso, aquele aperto, aquela dor, aquela angústia. Nem se lembrava mais como era ter aquilo, mas no momento em que sentiu, uma familiaridade cruel lhe invadiu a mente.

Sem mais nem menos, sem motivo exato, sem razão. Apenas sentiu, e como nunca sentira antes. "A dor dos outros", alguém lhe dissera um dia, "Você tem essa mania de carregar a dor do mundo nas suas costas... e isso lhe faz muito mal." E era exatamente essa a impressão que teve; era a dor dos outros, a dor que alguém deixara ali, naquela esquina, naquela latinha, naquela luz bruxuleante, que ela estava sentindo agora. Roubara o sentimento alheio -ou estava apenas dividindo, compartilhando, se compadecendo?

E era certo fazer aquilo? Ela não pedia, apenas sentia... mas nunca como naquela noite. Não foi espontâneo, não foi controlável, não foi passageiro. E lhe inundou como um avalanche, como um peso enorme no peito, um aperto na garganta, como se garras lhe arranhassem por todos os lados.

"Isso não é meu."

Todas as outras vezes, conseguira encontrar uma explicação. Certa vez fora uma música -do Pink Floyd, será? -com uma certa batida ritmada que lhe despertara aquilo... Outras vezes, fora aquele pesadelo, o única que tinha e que se repetia de tempos e tempos... Outra vez fora um filme, a fala de alguém, algum gesto... Mas nunca assim. Nunca com uma latinha, nunca com um passo, nunca em uma esquina deserta, de repente.

Acelerou o passo. Não queria ficar ali sozinha. Não se impediu, porém, de olhar para o céu - mas cadê ela? Cadê a lua, estava escondida aonde, atrás de que nuvem? Tinha que vê-la, será que estava estranha? Será que estava vermelha, com aquele círculo em volta? Ou estava branca e gélida, como as garras que tentavam púxá-la de volta para a esquina?

Não olhou mais para trás. Tinha medo do que poderia ver, ainda mais agora que o peso descera para as suas pernas, e ela arquejava para alcançar a porta do seu prédio. E sentiu - sentiu uma lágrima se formar em seu olho. Uma lágrima!

E a surpresa lhe trouxe de volta para a realidade. "Lágrima?"

Não. Eu não choro.

3 comments:

Alice Agnelli said...

por que não chora?

Marina said...

Sou o contrário de você. Choro sim, às vezes até demais...
Mas essa é a forma que eu encontro pra descarregar todo esse peso (de mim e dos outros!). Qual é o seu segredo, se você não chora, então o que é que você faz?

Clara said...

eu guardo.

e tento fazer algo de útil com esse peso.