Sunday, October 12, 2008

Fantasmas coloniais


"As democracias não nascem plenamente desenvolvidas de noite para o dia, nem necessariamente há uma linha clara dividindo governo democrático e autocracia. Normalmente a democracia pode ser vista como um continuum. A sociedade civil e instituições democráticas como partidos políticos e ONGs tendem a se desenvolver lentamente ao longo do tempo, um passo fundamental de cada vez.

A verdadeira democracia é definida não apenas por eleições, mas pelo governo democrático que se segue a elas. Os elementos fundamentais do governo democrático são mais do que apenas eleições livres e justas. Incluem a proteção dos direitos políticos daqueles que fazem oposição política, o livre funcionamento da sociedade civil, imprensa livre e um judiciário independente. Com excessiva frequência no mundo em desenvolvimento - incluindo o mundo islâmico em desenvolvimento - , as eleições são vistas como a única coisa importante. O processo eleitoral é democrático, mas é aí que a democracia termina. O que se segue é equivalente a um regime autoritário de partido único. Isso é o oposto do verdadeiro governo democrático, que se baseia em poder constitucional partilhado e responsabilidade. E como o governo democrático se baseia em um continuum de experiência, a duração dessa experiência está diretamente ligada à sustentabilidade do próprio governo democrático. Em outras palavras, quanto mais tempo durao governo democrático, mais forte o sistema democrático.

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Temos de pensar em uma nova democracia como um pequeno broto que precisa ser adubado, regado, cuidado e ter tempo para se transformar em uma árvore poderosa. Portanto, quando experiências democráticas são prematuramente interrompidas ou destruídas, os efeitos podem ser, se não permanentes, certamente muito duradouros. Suspensões internas ou externas da democracia (tanto eleições quanto governo) podem ter efeitos que se estendem por várias gerações.

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A experiência colonial de muitos países muçulmanos contribuiu para as dificuldades que eles enfrentam para sustentar a democracia. Na ausência de apoio adequado e sem o tempo e a dedicação necessários para construir uma infra-estrutura democrática, eles fracassaram no fortalecimento de seus processos eleitorais e de governo. Muitos dos países abordados neste capítulo [Irã, Argélia, Líbia, Tunísia, Marrocos, Egito, Iraque, Afeganistão, Comores, Líbano, Paquistão, Bangladesh, Jordânia, Palestina] foram expostos a valores democráticos, ideais democráticos e o gradual desenvolvimento de instituições políticas e sociais quando estavam sob administração colonial ou pouco depois. Contudo, suas nascentes democráticas muitas vezes foram esmagadas pelos interesses estratégicos das potências ocidentais (frequentemente se valendo de elementos da própria sociedade) antes de se transformarem em sistemas democráticos viáveis."



"Reconciliação - Islamismo, Democracia e o Ocidente", Benazir Bhutto.
Foto: Benazir, duas vezes primeira-ministra do Paquistão, morta em atentado terrorista em 2007, quando retornava do exílio.

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