Tuesday, September 16, 2008

Carta a um amigo

21 de Janeiro de 2008
Jequié, Bahia

D. querido,
Encontrei esse poema nesses dias em uma livro que estava lendo -"Terror e Esperança na Palestina", de José Arbex Jr, aquele jornalista que eu adoro da Caros Amigos. Acho que você deveria ler esse livro, mesmo que eu tenha certeza de que não vai concordar com muitas coisas que ele escreve...
De qualquer jeito, só queria a sua opinião... Você sabe que adoro discutir com você, que deve ser a única pessoa que consegue fazer com que eu contorne a minha teimosia e repense as minhas idéias.
Dê uma olhadinha, tá? E sem pré-conceitos!


Cartão de Identidade
Mahmud Darwish

Escreve!
Sou árabe.
(...) As minhas raízes foram criadas antes do inicio dos tempos,
antes do nascimento das eras,
antes dos pinheiros e das oliveiras.
Antes que tivesse nascido a erva.
(...) Escreve!
Sou árabe.
Roubaste os pomares dos meus antepassados
e a terra que eu cultivava com meus filhos;
não me deixaste nada, apenas estas rochas.
O governo vai tira-me as rochas, como me disseram?
Escreve, então no alto da primeira página:
a ninguém odeio, a ninguém roubo.
Mas, se tiver fome,
Devorarei a carne do usurpador.
Tome cuidado!
Cuidado com minha fome,
cuidado com a minha ira!
Afinal, o fundamentalismo muçulmano não é algo que surgiu espontaneamente; a meu ver, ele é a resposta que os árabes encontraram para superar todos os fracassos políticos, sociais e econômicos que eles vêm sofrendo já há alguns séculos. Esses conflitos, aliás, tiveram como uma das várias razões a invasão ocidental no Oriente Médio, um processo simultâneo ao "fracasso" árabe que perdura até hoje.
Há questões internas também, é claro, como a grande quantidade de etnias de culturas e religiões diferentes -ou não -presentes na região. Mesmo esse ponto, porém, apresentou um agravamento por causa dos ocidentais, já que, durante o processo imperialista, minorias étnicas foram fortalecidas pelos invasores para favorecer a invasão e facilitar o controle das regiões -prática também presente na África. Após as independências, essas minorias passaram a exercer os governos em áreas extremamente heterogêneas.
Como eu estava dizendo antes, porém, o fundamentalismo é uma reação principalmente à modernidade -não representa, entretanto, uma oposição direta a esta, já que se utiliza da própria modernidade para crescer e agir em todo o mundo. Após muitas invasões, tentativas de independência, de democracia e de crescimento econômico e até de uma revoluçâo islâmica (Irã, 1979, liderada pelo aiatolá Khomeini), os muçulmanos finalmente partiram para o radicalismo religioso (já que o secularismo não dera certo). Estavam humilhados, isolados do resto do mundo, explorados e rebaixados em sua própria crença. E logo o vasto império muçulmano, que florescera e representara a própria modernidade na sua Idade de Ouro...
E, agora, lá estão os ocidentais novamente invadindo o Oriente Médio, matando-o mais, humilhando-o mais, explorando-o mais uma vez. Não é à tôa que o 11 de setembro aconteceu e que tantos atentados ainda acontecem -não justificando, é claro; explicando. Afinal -e acho que você concorda comigo -, não é por pouca coisa que um homem ou uma mulher prende uma bomba ao peito e a aciona apenas com o intuito de matar outras pessoas. Não pode ser pouco ódio, desespero e desesperança que essa pessoa sente para chegar ao ponto de dar sua própria vida assim -e ódio, desespero e desesperança são reações.
Por isso, o "Tome cuidado!" é certo; para toda ação, há uma reação, ainda mais quando essa ação já dura quase um milênio...
Não seja muito duro comigo - já posso quase ouvir você falando que meu problema é sempre analisar o contexto em primeiro lugar e colocar os árabes como vítimas... Você sabe que não é bem assim. Eu não sou mais uma garotinha para ser maniqueísta.
Saudades sempre,
Clara.

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