Saturday, September 22, 2007

A hipocrisia nossa

Homem matando homem. Torturando. Assassinando. Ou esquecendo. Afinal, todos têm a mesma consequência, não é? A morte, a miséria, a fome, a dor... Mas quantas vidas ainda terão que ser ceifadas para que o homem note que o mundo precisa de ajuda? Que os outros homens precisam de ajuda?
Isso é quase irônico de minha parte. Quase não: é irônico. Pois quem mata e tortura não se importa se a vítima está sofrendo. Na verdade, acho que o objetivo é justamente esse, o de que aquela pessoa sofra mesmo, desapareça e pare de aparecer nos jornais e revista para nos lembrar de que não estamos sozinhos... Para nos lembrar de que estamos bem, mas elas não. Ninguém quer sofrer, não é verdade? Então é até melhor que elas morram mesmo para parar de nos encher de remorso de estarmos levando a vida tão confortavelmente....
Outra ironia minha. Quem mata, não sente remorso -ou pelo menos não deveria sentir. Mas, sabe, é até legal que a gente mostre que se importa com o mundo. Está na moda, não é? Faz você parecer uma pessoa menos... vazia. Faz um discurso emocionante em um jantar com uns amigos, até simula uma lágrima ou duas. Depois, todos lhe olham admirados: "Ela se importa", pensam. Ela se importa.
Mas não se importe: esqueça mesmo. Esqueça, quem se importa se tem gente morrendo por aí? Não é sua mãe! Nem nenhum parente seu. É só um homem ou uma mulher qualquer... Talvez uma criança, criança essa que já tinha sua vida demarcada mesmo antes do seu nascimento: ela nasceu sem destino, nasceu para sofrer. Talvez tenha nascido para lhe deixar um pouco triste por uma hora ou duas, depois que você viu o corpo dela estirado em alguma rua no noticiário...
Nossa, eu estou extremamente ingênua hoje. Você não vai ficar triste, não é verdade? É claro que não! Afinal, quantas pessoas já morreram hoje que você ouviu falar? As cifras já ficaram tão comuns que as pessoas nem se importam mais: mil alí no Oriente Médio, mais umas 400 na Chechênia, talvez umas dez mil na África... É normal, as pessoas teriam que morrer algum dia mesmo, certo? E não há nada que você possa fazer para evitar isso... Afinal, quem é que vai parar para pensar que, por trás de cada número, há uma infinidade de vidas? Que cada unidade dos milhares de mortos representam uma pessoa, com toda a sua complexidade? Que aquela pessoa tinha sonhos -talvez de ser jornalista, médico, professor -, tinhas hobbies e a mesma capacidade de pensar e sentir que você? Que era a mãe de alguém, a irmã, o pai, o marido... Quem se importa?
A questão é: como elas morreram? De que doença, com qual arma? De fome, talvez? Agora, porque uma pessoa morreria de fome em uma planeta tão farto? É, isso mesmo, eu disse farto, e acho que já está na hora de você parar de se enganar ao pensar que, como os recursos naturais estão se esgotando, não tem mais comida e água para essas pessoas. Tem sim, e muita, o problema é que elas não são importantes nem politica, nem economicamente para aqueles que tem o poder de lhes fornecer água e comida. Ou casa, se você for analisar melhor. Casa, remédio, escola, lazer... Tudo o que uma pessoa normal, como você e eu, tem. O problema é que elas são inválidas no grandioso trabalho de obtenção de riqueza.
Mas sim! Talvez você já tenha tido sua cota de se preocupar com o mundo hoje. Ou talvez você nem tenha se precocupado, não é? Talvez você seja o assassino, o torturador, ou até o, digamos "esquecedor", e você não pode, não se esqueça, sentir remorsos. Eles que sofram bem longe de nós. Bem longe e, de preferência, silenciosamente.

Não é preciso muito para ajudar, lembre-se disso.
Apenas um pouco de humanidade.

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