Sunday, February 04, 2007

Análise da questão fundiária brasileira

Se alguém conseguir ler isso tudo, ganha um doce ;)
Nem a minha professora de história leu... Ela pediu uma análise de trinta linhas, mas é que tem gente que se empolga com certos assuntos... o.O
Enquanto milhares de brasileiros passam fome por não possuírem terra a ser cultivada em um país de 8.511.965 Km2, uns poucos concentram esses quilômetros em grandes propriedades, que geralmente têm a produção voltada para o mercado externo. Ou seja, enquanto uns almejam apenas alguns metros de terra para poderem plantar os alimentos que lhes servirão como refeição depois, outros monopolizam essa mesma terra para que seus lucros continuem –e que cresçam, de preferência. Como explicar tal divergência em pleno século XXI e tendo tantas revoluções sociais e humanitárias, como a francesa, à sombra? Para responder a essa pergunta, é necessária toda uma análise histórica brasileira –e mundial.
Ano? 1500. Estado nacional? Uma ambiciosa Portugal com o Mercantilismo em pleno vigor. Colônia? O futuro Brasil, que estava limitado a uma área mais costeira do atual território. Objetivo de dominação? Extensiva exploração do território visando à descoberta e o aproveitamento de quaisquer riquezas minerais que pudessem ser achadas no “Novo Mundo”. Como achar, então, uma maneira de distribuir as terras da colônia portuguesa na América de modo que a Coroa continuasse com poder e seus desígnios fossem cumpridos? Fácil, pois, antes de qualquer coisa, as sesmarias –ou capitanias hereditárias -foram apenas uma transposição da forma de distribuição vigente na própria Portugal do século XVI para o Brasil.
Pode parecer irrelevante ter conhecimento das sesmarias, mas não é, pois é nesse ponto –na sua descoberta -que a concentração de terras se iniciou no Brasil. Como o objetivo português de extrair ouro e metais preciosos de sua colônia não foi suprido logo de início, a concentração de terras passou para um outro estágio que é visto até hoje com pequenas mudanças: os latifúndios, que são grandes propriedades monocultoras, com produção de produtos tropicais voltados para o mercado externo conseguida à base de mão-de-obra escrava. O principal produto cultivado era a cana-de-açúcar, produzida especialmente na região Nordeste brasileira. Essa forma de produção tinha o caráter totalmente mercantilista, sem incentivo nenhum à pequena propriedade. Afinal, quanto mais se produz, mais se ganha.
Mas será que apenas existiam os latifundiários no Brasil do século XVI? Claro que não. Descartando a sociedade burguesa e “aristocrata” que viera ao novo mundo cuidar das terras de Sua Majestade, os escravos também estavam lá. E quem eram eles? Primeiro, vieram os índios. Estes, porém, que viviam em um pacífico “comunismo”, foram considerados preguiçosos apenas porque não conseguiram se adaptar à distribuição de trabalho irracional e inumana a qual os portugueses e latifundiários queriam lhe impor. Com o tempo, entretanto, os índios que não foram dizimados se adaptaram, sim, à sociedade vinda diretamente da Europa. O que eles poderiam fazer, coitados e indefesos “selvagens” em meio a uma sociedade tão aterradora e metalista como aquela? A forma de distribuição indígena era, então, muito inocente e “primitiva” para permanecer como fator de permanência histórica. Afinal, que forma de distribuir terras era essa, que apenas fornecia o básico para as pessoas de sua comunidade sem visar nada a mais a não ser a sobrevivência de todos? E os lucros, onde é que estavam?
Com os índios deixados de lado, vieram os escravos africanos. Estes, entretanto, tiveram menos espaço ainda no sistema de distribuição de terras brasileiro. Foram deixados de lado durante toda a história do país. Para ser mais exato, em apenas um momento o negro recebeu atenção considerada “positiva” pela sociedade: justamente quando era escravo e, através, de seu trabalho, proporcionava lucro para seus donos. Nessa época, era considerado algo de valor, mas apenas por seu caráter laborioso. A partir do momento em que o negro se tornou livre, passou a ser nada mais do que um peso para as outras classes sociais. Não é apenas coincidência que a maior porcentagem da classe baixa brasileira da atualidade é negra, e é esse segmento da sociedade que mais luta por um pedaço de terra para poder plantar.
Independentemente dos latifúndios e seus escravos, no século XVII a metrópole finalmente conseguiu atingir sua maior ambição: minerais preciosos foram descobertos. Houve, então, uma ampliação da economia devido à descoberta das Minhas gerais. A reivindicação pela terra se tornou mais prolixa, e a política de doação das sesmarias fez-se insuficiente para as novas necessidades sociais da classe vigente. Com o renascimento agrícola do século XVIII, os problemas causados pela Lei de Sesmarias pioraram. No século XIX, a situação atingiu tal ponto de caos que já não era mais possível identificar quem era ou não proprietário de terras no país.
Os proprietários de terra dessa época –em geral, grandes proprietários –formavam um segmento da sociedade com grande influência política e social e também de grande poder econômico que buscava um meio de manter seus interesses, então fizeram as mudanças necessárias na distribuição de terras para isso. Até esse momento, como já foi dito, as terras eram doadas para os colonos que chegassem ao país. Agora, porém, os latifundiários não estavam mais interessados em doação, pois, já que já ocorrera a abolição da escravatura por pressão da Inglaterra, tenha-se entendido, os ex-escravos estavam e livres e poderiam muito bem ir embora das fazendas para um pequeno pedaço de terra. O ideal para os fazendeiros era que esses indivíduos fossem forçados de alguma forma a continuarem trabalhando para eles.
Outro motivo foi que, por causa da ambição de “branqueamento” e por carência de mão-de-obra decorrente da liberdade concedida aos escravos africanos, o governo brasileiro começou a incentivar a chegada de imigrantes no país. Também não era interessante aos latifundiários que esses imigrantes recebessem terra ao chegarem no Brasil.
Diante das discussões que surgiram no país em conseqüência dos motivos já citados, houve o início da reestruturação do código de terras no Brasil e, conseqüentemente, o surgimento da Lei de Terras de 1850. Essa lei melhorou a situação do país em relação ao caos para identificar os proprietários, já que passou a conferir títulos, e esses passaram então a se relacionarem de um modo diferente com o governo. Para o resto do país, entretanto, foi um desastre, já que essa lei apenas fornecia terras para quem tinha dinheiro. Os emigrantes e ex-escravos, estavam, portanto, à mercê dos latifundiários. Muitos continuaram a trabalhar nas fazendas e outros se marginalizaram nas cidades. Concluindo-se, apenas houve mudança na forma de distribuição de terras por que a antiga forma em questão já não estava mais atendendo aos interesses da classe dominante da época.
Em relação às posses irregulares de propriedade, a Lei de Terras não tomou uma atitude resoluta, apenas remediou o problema, pois esses proprietários, apesar de terem continuado com a terra, não tinham o direito de venda dela. Como nessa época a terra perdeu seu antigo valor de status quo para se integrar à economia comercial, ou seja, passou a ser considerada algo de valor comercial, a efetivação de uma determinada propriedade era de acordo com o grau de influência que o seu proprietário tinha na sociedade. Desse jeito, os donos das propriedades chamadas “irregulares” acabaram obtendo uma posição secundária e instável na sociedade brasileira.
A Lei de Terras também estabeleceu um pagamento de impostos territoriais, alegando que desse modo estaria impedindo a formação de grandes latifúndios improdutivos. Foi justamente o oposto que ocorreu, pois esses impostos apenas prejudicaram os pequenos proprietários. Além do mais, historicamente falando, os grande proprietários de terras são sempre ligados ao poder estatal, sendo isentos, portanto, do pagamento de taxas e impostos cobrados por esse.
Como os pequenos proprietários foram prejudicados, uma das piores conseqüências da Lei de Terras foi por causa de caráter centralizador, que monopolizou ainda mais a terra brasileira. Como antes, o governo e os latifundiários continuaram controlando a movimentação da propriedade de terras no Brasil.
A partir da Lei de Terras, os proprietários brasileiros se consolidaram e permanecem dessa maneira até a atualidade. Houve, porém, várias medidas que foram tomadas pelo governo brasileiro para contornar essa situação. A maioria delas, porém, permaneceram no papel por não receberem apoio suficiente da classe dominante e, conseqüentemente, do próprio governo.
O Uso Capião, por exemplo, foi uma das medidas já citadas. Ele estabelece que um trabalhador rural sem terra pode tornar-se dono de uma propriedade se já estiver nela há cinco anos ininterruptos, tornando-a produtiva através da agricultura familiar. Esse imóvel, entretanto, não pode ser público e não pode pertencer a outro imóvel urbano ou rural, ou seja. Que tipo de propriedade seria essa, então? Abandonada? O Uso Capião ainda estabelece que deve haver um comprometimento social com a terra. Em outras palavras, deve haver uma utilização adequada dos recursos naturais da região e também preservação do meio ambiente. Ainda comenta que as relações de trabalhos existentes nas propriedades brasileiras devem ser feitas de modo que favoreça o bem estar tanto do proprietário como dos trabalhadores. Se uma propriedade não atende essas exigências, ela se torna passível de desapropriação por interesse social.
Na teoria, o Uso Capião parece resolver não todos, mas boa parte dos problemas de terras no Brasil. Na prática, porém, não é tão simples assim, e isso pode ser comprovado com apenas um exemplo: em 2004, o Movimento dos Sem Terras (MST), ocupou uma região que, segundo a própria instituição, “é improdutiva, está abandonada, tem dívidas com antigos trabalhadores (...) e é de interesse social, já que tem hoje famílias vivendo e produzindo na área”. Essa propriedade, conhecida como Engenho São João, entretanto, pertence a umas das maiores corporações brasileiras, a Votorantim. Por isso, a luta pelo assentamento dessas famílias já dura os dois anos desde a primeira ocupação.
Segundo o MST, o Incra e o governo do estado –no caso, de Pernambuco –já aprovaram o acampamento. Levando como verdadeira essa afirmação, foi errada, então, a ação do Juiz José Gilmar da Silva de estabelecer o mandato de reintegração de posse no dia 7 de Agosto de 2006, passando, assim, por cima das instituições responsáveis pelo assunto. Com esse mandato, o Movimento já declarou que o juiz acabou institucionalizando a violência, pois caso o despejo ocorra, as famílias estabelecidas na região estarão preparadas para resistir.
A UDR (União Democrática Ruralista), entretanto, já conta o ocorrido segundo outro ponto de vista. Coloca o MST em posição de desafiante da justiça, já que este declarou que não cumprirá o mandato do juiz José Gilmar. O juiz, aliás, alega que o MST é reincidente, já que não cumpriu o acordo já estabelecido ao voltar ocupar o Engenho São João.
Após ter conhecimento dos dois pontos de vista da situação descrita, pode-se analisar o acontecido. Como sempre aconteceu e acontece no Brasil, os interesses da classe dominante prevalecem e sempre encontram brechas na justiça para poderem legitimar suas vontades. A região em questão, considerada improdutiva há cerca de dezessete anos, se encaixa perfeitamente no uso Capião. Seria perfeitamente legal, então, que as família do Movimento Sem Terra se alojassem na terra para cultivar para se próprio sustento. Como o grupo Votorantim é, como já foi dito, uma corporação de grande poder, porém, vai contra seus princípios a “doação” de terras para pessoas que não lhe trará lucros. O mesmo vale para os integrantes da UDR, que são os latifundiários do país.
Deixando o Uso Capião de lado, outra medida relacionada à questão fundiária brasileira é a do Estatuto de Terra de 1964. Foi uma obra do regime militar que está intimamente ligada ao clima de insatisfação no meio rural do país e ao medo do governo de que movimentos, como uma revolução camponesa, eclodissem. Os objetivos do Estatuto eram dois: a execução de uma Reforma agrária e o desenvolvimento da agricultura. Essa é outra medida que ficou apenas nos papéis, pois o Brasil se industrializou e se urbanizou em alta velocidade, deixando de lado o mercado interno rural e a democratização da terra. A Reforma agrária foi esquecida e a concentração de terras e de renda permaneceu a mesma. O Brasil entrou, então, no século XXI sem ter resolvido um problema grave com origens no século XVI.
O projeto de Reforma Agrária reaparece no país alguns anos depois, na Constituição de 1988. A lei, entretanto, é confusa, pois diz que a reforma apenas pode ser feita em terras improdutivas sem deixar claro o que considera como terra produtiva. Por isso, alguns latifundiários chegaram a comemorar quando a lei foi aprovada.
A história do Brasil continua com Collor de Mello e seus projetos neoliberais. Collor cortou brutalmente os gastos do governo com programas sociais, além de apoiar as privatizações e combater leis nacionalistas. Resumindo, Collor, a partir de suas medidas baseadas no mesmo pensamento que regeu as ações de pessoas como Margareth Thatcher e Ronald Reagan, apenas contribuiu mais ainda para a monopolização do poder na mão das grandes corporações e latifúndios, que, por suas vezes, não se preocupavam de maneira nenhuma com a situação do resto do povo brasileiro em relação à distribuição fundiária.
Há uma medida, entretanto, que parece ter funcionado. É a do Crédito Fundiário e do Banco de Terras. O que eles fazem é, basicamente, financiar imóveis rurais para trabalhadores rurais, posseiros, arrendatários, jovens filhos de agricultores familiares e os próprios agricultores que não têm renda suficiente para ter uma propriedade que sirva para o plantio de uma agricultura de subsistência. O Crédito Fundiário, por exemplo, que funciona nas regiões Norte e Nordeste brasileiros, chega a representar até 30% de redução no custo do financiamento. Quanto ao Banco de Terras, que atua nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste, este impede o êxodo rural e ainda melhoras as condições dos trabalhadores rurais.
Claro que ainda há ainda muitos trabalhadores sem terras no Brasil. Por isso mesmo, as lutas camponesas começaram a se organizar. Na década de 60, existiam nas formas de sindicatos rurais e ligas. O movimento em prol de maior justiça social no campo e a reforma agrária assumiram maiores proporções nessa época. Hoje, existem movimentos organizados, como os do já citado MST e os da Liga camponesa.
Assim, chega-se ao atual governo de Luís Inácio Lula da Silva, que prometeu a reforma agrária e, como tantos outros, não cumpriu sua promessa. O povo brasileiro se vê mais uma vez enganado por um político, e logo um que tem origens humildes.
Então aqui está a resposta para a infame pergunta: existem muitos brasileiros pobres sem terras no Brasil por que, até hoje, eles não entraram nos interesses da classe dominante. Na verdade, os interesses em questão querem que o Brasil continue justamente do jeito que está. Desse modo, sempre irá haver trabalhadores braçais nas fazendas, trabalhando por tempo indefinido e ganhando um ínfimo salário. Alguns não conseguem trabalho, mas quem se importa com eles? É a falta de sensibilidade, humanidade e senso moral e ético, então, que justificam a atual situação brasileira. Na verdade, não justifica, pois um ato como esse, o de exploração desumana, fria e calculista visando apenas lucros, é injustificável.

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