Thursday, May 03, 2007

Predestinação

"-Então, senhor governador, o que achou?
Luís Bernardo suspirou e respondeu, com meio sorriso:
-Achei tudo impressionante, senhor Feliciano.
-Deveras? E eles -achou-os assim tão maltratados como se conta lá por Lisboa?
-Depende. Para si, e para mim talvez, não serão muito maltratados. Há pior em África, de certeza. Mas, se lhes perguntar a eles, a resposta é capaz de ser outra.
-Que resposta, senhor governador?
-Não sei, senhor Feliciano. Já se imaginou no lugar deles?
-No lugar deles...?
-Sim, ja se imaginou ali, a trabalhar dez horas por dia na plantação, a levantar-se quando o sino toca e a adormecer quando o sino manda, e a ganhar dois réis e cinquenta centavos por mês?
-Bem, senhor governador, isso nem parece conversa do senhor. Cada um tem o seu lugar, não fomos nós que fizemos o mundo, foi Deus. Foi ele, que eu saiba, que fez os brancos e os pretos, os ricos e os pobres.
-Pois, senhor Feliciano, tem razão. A minha fe é que ultimamente não anda lá muito fortalecida.
E embarcou na pequena chata a vapor, deixando o sr. Feliciano Alvez visivelmente apreensivo."

"Equador", Miguel Sousa Tavares, pg 187
Na foto, as cicatrizes de um escravo
E ainda me perguntam porque eu não acredito em Deus...

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